sobre drogas e exclusão social
Podemos analisar
o problema das drogas de inúmeros ângulos diferentes. A pretensão desse
trabalho é tentar observar o problema de dois ângulos distintos. O primeiro é
examinar um possível motivo pelo qual o indivíduo escolhe ou é levado a ser
operário das drogas. A traficar e oferecer drogas ao público em geral. O
segundo é pensar sobre uma razão que possa ser suficientemente forte para
conduzir o usuário à sua primeira experiência com o uso das drogas. Para depois
da primeira experiência sabemos que existe a dificuldade da dependência química
que torna o usuário refém do uso e exige um esforço hercúleo para se safar de
um impulso que parece empilhar motivos físicos, emocionais e psicológicos, quando
não, sociais. Para tanto, vamos tentar articular uma crítica ao modo de vida
capitalista feita por Joan Robinson em seu texto Liberdade e Necessidade; o conceito de Fetiche de Marx; o conceito de prazeres
falsos contido no diálogo Filebo de
Platão, e tentar fazer uma ponte com a clássica obra de Aldous Huxley, Admirável mundo novo.
Etapa I - O modo de
vida contemporâneo: individualidade e exclusão social.
Ainda não pusemos fim ao embate de princípios sobre o homem proposto nas
filosofias de Hobbes (1588-1679) e de Rousseau (1712-1778). O homem é lobo do
homem como pretendia Hobbes ou, como acreditava Rousseau, ele nasce bom e a
sociedade o corrompe? Esse embate reacende em nossa época atual se formos
analisar nossa própria organização social. Se tomarmos como esteio à nossa
posição apenas os dados verificáveis, observáveis ao nosso redor, poderíamos
ficar com Hobbes. Por todo lado, em grandes metrópoles vemos a individualidade
se sobressaindo. Ainda que em espaços públicos vejamos multidões indo e vindo,
se prestarmos bastante atenção, veremos cada um desses indivíduos buscando,
cada qual ao seu modo, certo isolamento. Seja em seu fone de ouvido, tablet ou
smartfone, ele se desconecta do real,
do público, do coletivo, do comum, para se conectar ao virtual, ao privado, ao
que o interessa individualmente. Podemos pensar que isso se dá apenas na
impessoalidade de pessoas desconhecidas, mas o mesmo fenômeno também parece se
dar dentro da própria casa. Cada um em seu quarto, cada um em seu mundo
particular. Quartos isolados em apartamentos isolados e, ainda que colados uns aos
outros, todos estão de portas fechadas. Um discreto cumprimento no elevador
transforma aquele que seria vizinho em apenas mais um morador. Mas isso ainda
não nos autoriza a por fim à querela. O homem buscou esse isolamento erguendo
para si determinadas condições materiais, ou foram as condições materiais que
guiaram os homens ao isolamento?
Ora, é justo afirmar que esse isolamento é, por demais, lucrativo. Não fosse por ele, nossa
sociedade não venderia tantos televisores, computadores, smartfones e tudo o
mais que a indústria e a propaganda nos oferecem. Mas também é da índole do
lucro ser privado e com isso, um bom tanto, individual. Mais do que isso, o
lucro é a arte de retirar do público e concentrar no privado. Não fosse pelo
investimento produtivo e pelos benefícios que possa causar, pouco ou nada se
distinguiria do roubo. Sobre isso diz Robinson[1]:
“Se a busca do lucro for o critério do comportamento correto, não haverá
maneira de distinguir entre atividade produtiva e o roubo.” (ROBINSON, 1980 p
262). Mas é justamente em busca do lucro que se concentram a maior parte das
nossas ações cotidianas. Se não do nosso próprio lucro, ao menos lucro para
alguém. Com isso retiramos parte dos recursos dispersos nas classes sociais
menos favorecidas e o concentramos em algum lugar mais próximo do topo de uma
organização social de conformação piramidal. Estes recursos novamente descem
por via do pagamento de salários aos
trabalhadores empregados, como assistência
aos não empregados ou em investimentos
produtivos que possam produzir novos
postos de trabalho. Estreita-se a relação entre capital e trabalho. Todavia nem
todos têm trabalho e a assistência não é eterna. Aliás, a mecanização, os
computadores, os robôs, os processos otimizados, todos conspiram para que
precisemos cada vez menos nos dedicar a atividades extenuantes, mas os
benefícios gerados por esse aprimoramento ainda não tem capacidade de se tornar
públicos, mas tão somente privados. Mais uma vez nos diz Robinson: “O
capitalismo moderno acha-se bem adaptado para produzir sucessos técnicos
fabulosos, mas não para fornecer a base da nobre vida acessível a todos [...]”
(ROBINSON, 1980 p 241).
Se conseguimos vislumbrar um circulo virtuoso onde uma parte da população
enxerga melhores oportunidades estudando mais, se especializando mais, buscando
novos negócios, novos trabalhos, também não podemos perder de vista sua
antítese viciosa. Indivíduos que não puderam desfrutar de uma educação de
qualidade tem menores chances de ocupar bons postos de trabalho, também de
obter melhor renda. Ficam restritos a subempregos mal remunerados impedindo que
possam investir em novos aprendizados que possam retirá-lo de tal condição e
fazê-lo ascender a camadas superiores da pirâmide.
Esses fluxos do capital, ora ascendentes, ora descendentes acabam por
excluir do jogo capitalista as camadas mais inferiores, sem capacitação
profissional, sem instrução e sem educação. Restam a estes, resignar-se a uma
condição de subvida, alijados dos signos distintivos de nossa época ou escoar
pelo esgoto do submundo das drogas e da criminalidade. Visto desse modo, as
drogas seriam um atalho promiscuo com vistas à uma reinserção social, não para
voltar a fazer parte dessa mesma organização, mas apenas para ter a
possibilidade de gozar de seus signos distintivos, sem a obrigação de pagar o
alto preço cobrado para cumprir os ritos de passagem de uma classe para outra.
Vivemos em uma sociedade de privilégios e estes somente são disponibilizados
cada qual ao seu preço. Não se trata aqui de preço equivalente ao capital ora
desembolsado para adquiri-lo, mas sim do esforço físico, intelectual e muitas
vezes moral que se tem de pagar para consegui-lo. Por vezes somos obrigados a
escolher entre um convívio maior com os filhos ou um convívio com pessoas que
possam fazer parte de um network promissor. Escolher entre atender às demandas
da esposa, ou de pais em avançada idade ou cursar uma especialização.
Existe, porém, um constante estímulo ao crescimento e a ascensão social.
Por outro lado as vias de acesso são necessariamente estreitas, ao menos dentro
da legalidade, e em todas elas é grande a exposição a riscos tanto maiores
quando o nível da pirâmide que se pretende atingir. Frente a isso perguntamos:
Dentro da legalidade qual a perspectiva de um indivíduo situado na camada mais
inferior da pirâmide ter acesso ao ápice? Qual será o grau de esforço para tal
intento? Quanto se deverá estar exposto a riscos e incertezas? Não podemos nos
submeter ao critério da eficácia, pois ela nos levara sistematicamente a obter
os mesmos resultados e a pretensão é de resultados diferentes.
De qualquer modo, o meio de ascensão às camadas superiores é pela via do
dinheiro. Contudo podemos constatar que o dinheiro já não é meramente um meio
de se permutar mercadorias, mas que cumpre nos dias de hoje um papel de
mediação social, tanto quanto teve sua importância artificialmente elevada a
ponto de, em certos casos, ter um valor equivalente a própria vida. É ele que
pode ou não nos proporcionar acesso a alimentos saudáveis, atividade física,
planos de saúde, tempo de repouso, medicamentos, entre tantas outras coisas que
nos darão uma melhor qualidade de vida. A falta dele chega a proporcionar em
alguns indivíduos um sentimento de indignidade.
Olhado desse ponto, a aquisição do dinheiro é atividade que atinge
reputação de vital. Assim entendido, expor a própria vida ou a vida de outros a
determinados riscos para a aquisição de dinheiro soa bastante coerente. Poderíamos
postular ser a droga um meio para a aquisição de dinheiro e, com isso, um meio
de inclusão social. Acesso ilícito, embora profundamente coerente à camadas
superiores da pirâmide até no objetivo de se conquistar certo sentimento de
dignidade. Não seria assim a atividade criminosa um atalho para a obtenção dos
símbolos distintivos de nossa sociedade? E mesmo, diante dos riscos que a droga
representa, não seria essa conduta uma atitude socialmente aceita dentro de
determinados grupos sociais apartados?
Por fim, seria realmente necessária uma organização social em forma de
pirâmide, ou essa é uma daquelas abstrações meramente fruto da sobreposição de
conceitos sobre conceitos sem contato algum com a própria realidade?
Questões para
reflexão:
1)
O homem é lobo do homem como pretendia Hobbes ou,
como acreditava Rousseau, ele nasce bom e a sociedade o corrompe?
2)
O homem buscou esse isolamento erguendo para si
determinadas condições materiais, ou foram as condições materiais que guiaram
os homens ao isolamento?
3)
Reflita sobre essa afirmação: Lucro é a arte de
retirar do público e concentrar no privado.
4)
É possível uma sociedade mais colaborativa e menos
competitiva?
5)
É realmente necessária uma organização social em
forma de pirâmide ou teríamos outra alternativa?
Etapa II - Droga como alternativa ao pertencimento
Somos instigados e socializados à competição desde a infância. A imagem
do mais preparado parece ser sonho de
consumo daquele que almeja a ascensão social. Para manter nossa posição ou
ascender socialmente precisamos escolher a competição, mas sem saber, sem que
nos digam, também escolhemos o isolamento. Não por desejá-lo, mas ambos são
indissociáveis. É da índole da competição que um ou poucos ganhem os louros da vitória,
e que muitos, ou melhor, todos os outros percam. Fustigamos no imaginário de
nossos filhos a imagem da vitória, do sucesso, mas também da individualidade.
Aprendemos também assim: o melhor vence!
Ora mas e o resto? E quem não vence?
Contudo, reside no fundo de nossos corações algumas características
comuns a todos os seres humanos. Amiúde buscamos por aceitação, valorização, reconhecimento, numa palavra: pertencimento. Buscamos a todo momento
pelo junto, pelo coletivo, mas a correria do dia-a-dia não nos permite o mimo
de estar junto. São reuniões, horas extras necessárias para complementar o
orçamento doméstico e oferecer uma melhor condição financeira. Sacrificamos o
convívio familiar em prol de uma melhor condição financeira. Como se ela fosse
resposta a todos os anseios humanos. Sacrificamos o junto, o familiar, o
convívio em prol do merecido descanso que nos proporcionará as melhores
condições para sairmos novamente para trabalhar no dia seguinte e retomar nosso
ciclo de trabalho, ganhos, dívidas e mais trabalho, e mais ganhos...
Sentimos certo prazer em oferecer condições financeiras melhores para a
família. Certo senso de dignidade, de dever cumprido. Mas perdemos o primeiro
passo dado pelo bebê, perdemos a nota baixa na escola, perdemos de ver o
desenho garranchado no papel, perdemos de ver a lágrima escorrendo no cantinho
do olho. Perdemos de viver os bons e os maus momentos de comunhão familiar.
Perdemos de oferecer o pertencimento que so aguarda um pequeno Oi, ou um breve
olhar!
Mas de onde vem que nossa dignidade é fruto de nosso recurso financeiro?
Que nossos problemas se solucionam apenas estando em outra camada social?
Talvez de certo vazio de alma. A ascensão social nos é oferecida como a
panacéia que cura todos os males. Fazemos todo o sacrifício necessário para
consegui-la e deixamos de lado tudo aquilo que não nos conduz ao sonho dourado.
A expectativa da ascensão social nos proporciona um prazer que estimula o
desejo de consegui-la. De modo análogo, o prazer defendido por Filebo (e
Protarco) no diálogo platônico, não distingue o prazer de saciar a sede com o
prazer da expectativa da saciedade. São ambos prazeres, embora um falso e outro
verdadeiro. A expectativa de um bem nos proporciona prazer, mas nem sempre o
bem almejado nos proporciona a saciedade desejada. Parece haver aqui uma
pequena confusão conceitual bastante comum em nossa época. Vamos pegar um
exemplo bastante banal para ilustrar: desejamos comprar um carro. Aquele belo
carro que sonhamos. Procuramos pelo vendedor que ilustra bastante bem uma
porção de benefícios: tecnologia, economia, potência, conforto e tudo o mais
que o vendedor puder falar em defesa do produto. Por outro lado, o que nos
interessa ocultamente é o status que ele irá nos proporcionar, o conforto e a
liberdade de nos livrarmos do aperto do ônibus. Não percebemos, mas tudo isso
que o vendedor quer vender e mesmo o que nós queremos comprar não é o carro,
mas apenas o que arbitrariamente representamos ser o carro. O que ele pode
hipoteticamente nos proporcionar.
Essa é, grosso modo, a idéia de Fetiche
que Marx revela no produto. O produto deixa de ser o que ele realmente é, e
assume papeis que inventamos para ele. Falsamente, projetamos nossas
expectativas em determinados produtos, mas não damos o direito dele frustrar
nossas expectativas. Se elas não foram alcançadas ainda, certamente o serão com
um motor maior, numa outra marca, num outro modelo e assim o ciclo do consumo e
do desejo permanecem acesos. A falta de saciedade não nos revela a realidade do
fato, mas apenas redirecionamos nossas expectativas para outro produto. Este
sim aplacará o vazio de alma. Este é o nosso falso desejo. Estes são nossos
prazeres falsos que nunca se tornam repletos. É essa expectativa falsa que
fomenta o consumo e abduz nossos desejos e valores. Mas ante a argumentação de
Sócrates, Protarco foi convencido de que o prazer proveniente de uma
expectativa falsa não pode nunca se tornar repleto. Diz Protarco: “De algum
modo, sofre duplamente: no corpo, pelas condições em que se encontra; na alma,
pela expectativa de algum desejo.”. Mas nossos prazeres falsos nos retiraram
grande parte do nosso convívio familiar. A TV, a internet, o videogame,
mostram-se como anestésicos multicoloridos que preenchem o vazio com novos
desejos que nunca serão saciados, mas tampouco queremos a saciedade, parece que
criamos o desejo do próprio fetiche. Parece haver certo prazer no próprio ato
de comprar, um prazer que nunca se sacia, mas que proporciona outro desejo num
frenesi apropriado para o consumo. Se saímos para passear com a família, vamos
ao Shopping. Implantamos em nossos pequenos o desejo insaciável pelo consumo.
Outro tanto entregamos à TV que executa bastante bem essa tarefa. Todavia o
vazio persiste. O consumo não nos preenche de aceitação, nem de valorização,
nem de reconhecimento, tampouco de pertencimento. Funciona apenas como um calaboca temporário.
Por outro lado, a turma da rua, da esquina, da porta da escola, conhece,
ao menos empiricamente, desses artifícios de conectar arbitrariamente vazios e
desejos ao produto. Uma roda de
pretensos amigos percebe no franzir da testa, o vazio entristecido pela falta
de pertencimento. A solução é simples: basta unzinho e as coisas vão ficar bem melhor. Após o primeiro logo vem
a aceitação e o reconhecimento que há muito não se experimentava. Após o
segundo a valorização que tanto se almejava. Após o terceiro conquista-se o
pertencimento. (Meu brother, esse sim é
dos nossos!). Não foi a droga que proporcionou a repleção do vazio, mas sim
todo o entorno. Mas agora ficaram indissociavelmente ligados um no outro. É o
uso da droga que nos traz o arrefecimento do vazio, tanto quanto o novo desejo
insatisfeito, o reconhecimento, a aceitação e o pertencimento funcionando como
motor do desejo da próxima droga. É ela que aplaca nossa dor social e ainda
pode servir como insulto velado aos que nos proporcionaram a dor. Na mesma
medida são prazeres falsos, mas recobertos de significado.
Temos drogas socialmente aceitas como o álcool, o fumo, a comida, o videogame,
o sexo, a compra no shopping, o próprio trabalho. Todos esses e mais outros
tantos estão recobertos de significações, desejos insaciáveis e prazeres falsos
que tanto desejamos. São socialmente aceitos, economicamente recomendados e
culturalmente valorizados. Quem de nós não buscou por segurança e uma aplicação
financeira ou uma apólice de seguros? Quantos de nós não procurou prestígio
numa roupa de bom feitio, ou distinção e inteligência num bom diploma? Tivemos
sucesso na aquisição do bem, mas o que buscávamos não encontramos nele.
Superficialmente atingimos nosso objetivo dentro de um imaginário, mas o que
buscávamos em profundidade ficou ainda vazio. É até possível que tenhamos
conseguido algum tipo de deleite, mas somente no caso de um desejo também
erigido nos mesmos moldes falsos. Nessas como nas drogas ilícitas a verdade, o
discernimento, a medida e a proporção, propostas por Sócrates no Filebo, passam longe. O exagero, a
entrega, desmesura estão sempre presentes. A diferença é que nas drogas lícitas
a morte nos vem aos poucos.
Questões para
reflexão:
Discuta primeiro
em pequenos grupos e depois promova um debate entre toda a sala.
1)
O melhor vence! E o que acontece com quem não
vence. É um fracassado que nunca dará certo na vida?
2)
Se você pudesse escolher entre uma melhor condição
financeira e social ou um maior convívio familiar o que você escolheria?
3)
Quando se tem uma grande auto-estima é preciso o
reconhecimento, valorização e pertencimento que sempre vem de fora?
4)
Cite alguns de seus próprios prazeres falsos.
5)
O que leva alguém a consumir drogas pela primeira
vez?
Etapa III – Interdisciplinaridade - Admirável mundo novo de Aldous
Huxley
A obra de Huxley, publicada pelos idos de 1930, trata de uma projeção do
que poderia ser a nossa sociedade atual no que tange a sua organização social,
os possíveis avanços nos campos das ciências e da tecnologia, mas o ponto mais
intrigante que permeia essa utopia futurista é a questão da dominação social, tanto quanto seus instrumentos
auxiliares: a droga ‘Soma’, instrumento de alienação e entorpecimento da
consciência crítica que, na própria definição de Huxley teria: ”- Todas as
vantagens do Cristianismo e do álcool; nenhum dos seus inconvenientes.“.
Segundo, uma Eugenia bem elaborada. Os bebês seriam ‘fabricados’ com
características físicas necessárias ao equilíbrio das funções de trabalho e
consumo. O objetivo era o de atender às necessidades da estabilidade social. Se
a demanda fosse por indivíduos brutos e aptos para trabalhos braçais e
insalubres, um ingrediente químico aqui, outro acolá durante a gestação na
incubadora, dariam conta de uma safra na quantidade perfeita de indivíduos com
essas características. Se a necessidade fosse de outro tipo, mais intelectuais
ou mais burocráticos, mudavam-se os ingredientes e outras safras estavam
preparadas. Perfeita linha de produção de seres (mais ou menos) humanos. Por
fim, a educação era à base do reflexo condicionado pavloviano. No entender de
Huxley: “Um estado totalitário verdadeiramente eficiente seria aquele em que o executivo
todo-poderoso de chefes políticos e seu exército de administradores controlassem
uma população de escravos que não tivessem de ser coagidos porque amariam sua
servidão.”. Para tanto era preciso certo tipo de condicionamento psicológico
para fazer com que cada um dos indivíduos elaborados para determinadas funções
tivesse plena satisfação de sua condição e função na sociedade. Um verdadeiro:
“[...] curso elementar de Consciência de Classe.”, como o próprio Huxley
denomina. A chave para a dominação social era a adaptação à classe: “- E esse [...]
é o segredo da felicidade e da virtude: amar o que se é obrigado a fazer. Tal é
a finalidade de todo o condicionamento: fazer as pessoas amarem o destino
social a que não podem escapar.”.
No que concerne à dominação social, Huxley acertou em cheio, mas a
estratégia para consegui-la foi diferente. Ao invés de fazer com que o
indivíduo ame sua classe social, foi-lhe artificialmente estimulado o desejo de
ascensão social. Nosso segredo da felicidade reside na expectativa do sucesso,
na ascensão social. Esse é o motor que faz com que cada indivíduo trabalhe e
batalhe com afinco, mais do que por obrigação ou satisfação. Fosse por
obrigação e ele não faria mais do que o necessário. Fosse por satisfação
ficaria ele apenas na medida de seu fastio pessoal diário. A expectativa de
melhoria futura retira forças para o trabalho do fundo de sua alma. O sonho de
progresso, inculcado desde a infância pelo nosso curso Elementar de consciência de sucesso, nos legou uma enorme
massa de atores que almejam o amanhã sem reclamar do hoje.
A derrota e o fracasso dos que não ascendem socialmente acaba por
produzir o vazio dos derrotados. Para estes, uma dose de coragem a mais pode
ser alcançada com a cocaína. Um refresco das dores causadas pelo esforço adicional
pode ser conseguida com outras drogas mais alucinógenas ou com a televisão. A
droga preenche o vazio, reduz a dor e promove um controle social. Mais uma vez
Huxley atinge o alvo: “O sentimento está à espreita durante o
intervalo de tempo que separa o desejo da satisfação. Reduza-se esse intervalo,
derrubem-se todas essas velhas e inúteis barragens.”. Façam vistas grossas à
droga e ela será sua aliada. Não conseguimos produzir uma droga que não tenha
os inconvenientes da dependência ou da abstinência, mas nossas drogas têm um
elemento de controle social impressionante. O tráfico e a criminalidade retiram
de circulação, em subúrbios, prisões e cemitérios, aquela parcela da população
que não anseia pela ascensão social. A parcela da população que ameaçaria a
estabilidade conseguida pela eterna expectativa de sucesso. Em nosso Admirável mundo novo, a droga
preenche o vazio de sentido real, que o sentido ideológico não tem a capacidade
de aplacar.
REFERÊNCIAS.
ADORNO. São Paulo: Editora Nova
Cultural, 1996 (Coleção Os Pensadores)
HUXLEY, ALDOUS. Admirável mundo
novo. Porto Alegre: Globo, 1982
MONCADA, Jairo Escobar. Placer y conocimiento em el Filebo (31 B-41 C ). In: Estudos
Platônicos. São Paulo: Edições
Loyola, 2009
PLATÃO. Filebo. Tradução de Carlos Alberto Nunes. Universidade Federal do
Para. Pará, 1974
REALE, Giovanni. História da filosofia:
Do humanismo a Kant / Giovanni Reale, Dario Antiseri. 6ª. Ed. São Paulo:
Paulus, 2003. (Coleção filosofia).
ROBINSON, Joan. Liberdade e
necessidade. São Paulo: Abril Cultural, 1980 (Coleção Os Pensadores)
[1] ROBINSON,
Joan. Liberdade e necessidade. São Paulo: Abril Cultural, 1980 (Coleção Os
Pensadores)
Discurso sobre
as ciências e as artes:
Discurso sobre a
origem das desigualdades entre os homens:
Sobre a
revolução francesa:
CHATELET, FRANÇOIS. Histórias das idéias políticas. Rio de
Janeiro: Jorge Zahar, 1985
REALE, GIOVANNI. História da filosofia:
Do humanismo a Kant / Giovanni Reale, Dario Antiseri. 6ª. Ed. São Paulo:
Paulus, 2003. (Coleção filosofia).
SCIACCA, Michele
Frederico. 3ª edição, Trad. Luis Washington Vita, São Paulo: Mestre Jou, 1968
(Coleção fundamentos de filosofia)
[1] Discurso sobre as ciências e as artes. Discurso que
conquistou o prêmio da academia de Dijon no ano de 1750 sobre esta questão: “Se o restabelecimento das ciências e das
artes contribuiu para purificar os costumes.”
[2] CS – Do
contrato social
[3] OD –
Discurso sobre a origem das desigualdades
[4] O
discurso acerca das ciências e das artes (DA) encontra-se disponível na
internet na íntegra, mas não mencionaremos o número da página por variar em suas
diversas fontes.
Este comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirPerfeito fiquei fascinado pela matéria. Estou estudando uma forma de trabalhar os textos com meus alunos em redação. Acho super importante provocar esse tipo de reflexão em sala de aula, mas ainda não tinha textos que me dessem esse subsidio agora vou por em prática.
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