A idéia de liberdade no Iluminismo Francês.
A idéia de
liberdade no Iluminismo Francês.
Cronologia de personagens:
Lutero – (1483 – 1546)
Jean Bodin – (1529 – 1596)
Hobbes – (1588 – 1679)
Montesquieu – (1689 – 1755)
Rousseau – (1712 – 1778)
Independência dos Estados Unidos – (1776)
Revolução francesa – (1789 – 1799)
1. Contexto histórico, político, social e filosófico
·
Das
relações sociais
A época que precedeu a revolução francesa e a chamada revolução industrial,
era orquestrada por duas grandes forças majoritárias: A Igreja e a nobreza. Em
quase todo o mundo essas duas instituições se alternavam em força e influência
e em alguns casos se complementavam. Subalternas a essas duas, as iniciativas
de ordem privada ficavam restritas a
uma agricultura feita por miseráveis que agricultavam em terras alheias ou por
uma incipiente pecuária de subsistência. Completando a estratificação social
ainda tínhamos os homens de armas e a manufaturas fundamentalmente artesanais
como a de ferreiros, alfaiates e pequenos mercadores.
Esse modelo econômico-social privilegiava alguns poucos que se fartavam
em banquetes, facilidades e delícias enquanto era necessário grande empenho de
todos os demais para salvar, cada qual o seu quinhão, tanto quanto manter, com
severos impostos, o privilégio desses poucos e nobres desocupados. Mesmo que
pouco justo, olhado pelos nossos olhos atuais, essa conformação social, não sem
tropeços, durou centenas e mais centenas de anos antes de ser substituída por
outra.
Esta estratificação social era quase que em todos os níveis, hereditária.
Se o filho do rei, por via de regra o sucedia, também era a sina do filho do ferreiro,
do alfaiate, do soldado e do lavrador. A ascensão social somente ocorria por
benção monárquica ou através do caminho do clero, que tinha sua hierarquia a
parte. As leis nas monarquias
absolutistas de então ficavam à mercê do bom sono do rei. Se acordasse com
bom humor as leis valiam, caso contrário, não. Liberdade desse ponto de vista
era restrita aos poucos tempos de paz e à obediência para com a nobreza.
·
A religião
e a política
Todavia essas regras sofriam lá e cá seus revezes. O máximo poder papal
já havia sido desafiado por Lutero e Calvino. A palavra de Deus não era apenas
propriedade dos doutos e clérigos senão de acesso livre, ao menos a quem
soubesse ler, o que era raro. O Protesto luterano promoveu uma liberdade
teológico-religiosa de um castigo pior do que a prisão: a excomunhão. A nascente
idéia de Estado descrita por Jean
Bodin e depois o Espírito das leis de
Montesquieu faziam nascer uma idéia nova: submetiam mesmo o monarca ao jugo das
leis, ainda que sem retirar sua majestade; só a libertavam de seus humores. A
idéia da legitimação do convívio em sociedade por um Contrato social acordado entre todos e que perduraria mesmo em
tempos de vacas magras e mesmo ante a alternância de poder oferecia ligeira
distensão à noção de liberdade. Liberdade agora é uma questão de “dever”, de
obediência para com o Estado e ao seu contrato social.
Estas noções ainda que em estado embrionário, já reverberavam, sobretudo
nas consciências burguesas. Algumas monarquias, na medida em que foram se
organizando na nascente idéia de Estado, foram também promovendo certa
liberalização para iniciativas privadas. O crescimento das descobertas
científicas por um lado, associado aos avanços tecnológicos como imprensa e a máquina
a vapor fizeram surgir uma nova ordem de iniciativa: as indústrias. A produção em escala e o barateamento de alguns custos
trouxeram uma onda de prosperidade criando uma nova elite social, mas ainda de
pouco valor. Bons punhados de moedas pouco valiam se não fossem acompanhadas de
um título de nobreza que lhes
conferisse fidalguia.
·
A
filosofia
Os temas teológicos, tônica do medievo, perderam agora sua centralidade.
Embora o foco principal nesse momento seja o conhecimento, o norte era ainda eminentemente metafísico. A
materialidade, a inexistência do mundo fora das representações da consciência,
múltiplas elaborações acerca da substância
davam aos temas metafísicos as mais diversas conformações.
Racionalistas inatistas e empiristas debatem a origem do conhecimento.
Hobbes defende a materialidade, Leibniz define as mônadas. Embora divirjam em
objetivos, pressupostos e percursos todos confiam na competência da razão para
dirimir eventuais conflitos. A fé não é mais o fiel da balança. A razão deve
lançar suas luzes para clarear
pensamentos divergentes. Além da razão ainda há outro ponto de convergência:
todo o empenho está em conhecer e explicar “este” mundo e não “outro”. O
auxilio primoroso agora vem da ciência
e não mais da religião.
O pensamento iluminista nasce em meio a entranhados debates metafísicos.
Aprisionados em construções conceituais que pretendem dar conta de explicar a
realidade, parecem mais se distanciar dela própria. Parece ter surgido outra
classe social no topo da pirâmide. Nobres e clérigos dividiam agora honrarias
com cientistas e filósofos. Contudo parecia que nenhum deles se ocupava do
restante da pirâmide social, deixada a própria sorte. Deserdados das
importantes questões religiosas e metafísicas tanto quanto distantes das
decisões políticas, parecia que todo restante tinha menor valor. Nos diz
Sciacca: “Por isso a razão iluminista
renuncia, em parte, àqueles domínios do conhecimento que sabe não poder
seguramente governar, a fim de que possa dominar melhor as outras.”
(SCIACCA, 1968 p 158). Daí o apreço á técnica, aos ofícios, aos problemas
práticos da vida cotidiana da plebe que tem fome. Tanto de comida como de
liberdade. Muito por influência de Rousseau em seu discurso sobre as ciências e
as artes[1]:
Não se trata, neste discurso, dessas sutilezas
metafísicas que invadiram todas as partes da literatura, e das quais os
programas de academia nem sempre estão isentos; trata-se, sim, de uma dessas
verdades que se relacionam com a felicidade do gênero humano.
De sua defesa,
de sua liberdade, de sua alimentação, da preservação dos bons costumes. Talvez
essa preocupação tenha influenciado as diretrizes da Enciclopédia da qual trataremos mais adiante. Por agora nos basta
dizer que talvez os rumos da filosofia tenham mudado sua trajetória justamente
por essa mudança de direção. Aterrissando no solo firme da praticidade cotidiana e abandonado as sondagens elevadas de uma
metafísica impalpável.
2. O pensamento de Rousseau
Pelo anteriormente exposto, liberdade no Sec. XVIII era, senão uma
quimera, um luxo compartilhado por muito poucos. Diz Rousseau: “O homem nasceu livre, e em toda parte se
encontra sob ferros.”. (CS, p10)[2] .
Trata-se aqui, no entender de Rousseau de um afastamento de seu estado natural.
Um estado primitivo onde não haveria diferença patente entre os homens, senão
em sua compleição física. Uns nascidos mais fortes outros mais fracos de acordo
com a natureza. Mas não bastassem essas diferenças físicas, essencialmente
naturais e ainda impusemos outras artificiais:
O que há de mais cruel ainda é que, como
todos os progressos da espécie humana a afastam sem cessar de seu estado
primitivo, quanto mais acumulamos novos conhecimentos, tanto mais nos privamos
dos meios de adquirir o mais importante de todos [...] É fácil ver que é nessas
mudanças sucessivas da constituição humana que é preciso procurar a primeira
origem das diferenças que distinguem os homens, os quais, de comum acordo, são
naturalmente tão iguais entre si (OD, p 9)[3]
As diferenças entre os homens, para o genebrino, são muito mais uma
questão de instituição do que de compleição
física. Teria sido a instituição da propriedade privada a originadora das desigualdades
sociais:
O primeiro que, tendo cercado um terreno,
se lembrou de dizer: Isto é meu, e encontrou pessoas bastante simples para o
acreditar, foi o verdadeiro fundador da sociedade civil. Quantos crimes,
guerras, assassínios, misérias e horrores não teria poupado ao gênero humano
aquele que, arrancando as estacas ou tapando os buracos, tivesse gritado aos
seus semelhantes: "Livrai-vos de escutar esse impostor; estareis perdidos
se esquecerdes que os frutos são de todos, e a terra de ninguém !" (OD, p
31)
Por uma questão meramente de lógica temporal essa apropriação privada não
encerra um roubo. Apenas pelo fato de que para existir roubo é preciso que
antes exista a propriedade privada. Ora, uma vez que esse ato institui a
propriedade privada, como diz Rousseau, a terra não era de ninguém e então não
há logicamente roubo. Pois nesse instante ainda não se tem a idéia de propriedade.
Contudo entre a idéia de que não é de
ninguém e a de que é de todos há
a instituição do conceito de propriedade privada. O ato que institui a
propriedade privada, consciente ou não, também institui o roubo. Numa época em
que se havia fartura de terras disponíveis este seria um ato ingênuo e até
bastante inócuo. Mas a liberdade ate aqui não esta limitada somente ao uso que
se poderia fazer daquilo que fora privatizado. Ele também modifica as relações
sociais. Uma vez apropriada uma quantidade de terras impossível de se lavrar
apenas com duas mãos, outras serão necessárias, mas uma vez que a produção for
extraída quem será dela proprietário?
[...] enquanto se aplicaram exclusivamente
a obras que um só podia fazer, e a artes que não necessitavam o concurso de
muitas mãos, viveram livres, sãos, bons e felizes, tanto quanto podiam ser pela
sua natureza, e continuaram a gozar entre si das doçuras de uma convivência
independente. Mas, desde o instante que um homem teve necessidade do socorro de
outro; desde que perceberam que era útil a um só ter provisões para dois, a
igualdade desapareceu, a propriedade se introduziu, o trabalho tornou-se
necessário e as vastas florestas se transformaram em campos risonhos que foi
preciso regar com o suor dos homens, e nos quais, em breve, se viram germinar a
escravidão e a miséria, a crescer com as colheitas. (OD, p 36)
Era de se esperar, uma vez que essa ingênua apropriação se transformasse
em violência e escravidão, que áreas dotadas de melhor aproveitamento ou riqueza,
ensejassem violência contrária em busca de conquista. Em épocas de invasões
bárbaras, estar ao abrigo de algum senhor poderia ser algo interessante. Diz
Rousseau:
Não seria mais razoável acreditar que os
povos, primeiro, se atiraram nos braços de um senhor absoluto, sem condições e
sem remédio, e que o primeiro meio de prover à segurança comum, imaginado por
homens altivos e indomáveis, foi precipitar-se na escravidão.[...] os povos
deram a si mesmos chefes para defender sua liberdade e não para os sujeitar. (OD,
p 42)
Sem perceber o homem modificava suas relações com a terra, consigo
próprio, com o trabalho e suas relações sociais. A cada passo que dava no
sentido de preservar o bem de que se havia apropriado, mais se distanciava de
sua pureza, bondade e liberdade iniciais. Não percebia que ao se apropriar e
tirar vantagens pessoais viria a se tornar escravo de seus próprios bens. Ao
escravizar viria a tornar-se dependente da escravidão. Ao adotar para si um
determinado estilo de vida acabou por se tornar refém de sua própria criação. Não
viu que ao fazer uma escolha abriu mão de outras tantas possibilidades.
A ambição dos principais aproveitou-se das
circunstâncias para perpetuar seus cargos nas suas famílias; o povo, já
acostumado à dependência, ao repouso, e às comodidades da vida, e já incapaz de
poder quebrar os ferros, consentiu em deixar aumentar sua servidão para firmar
sua tranqüilidade: e foi assim que os chefes, tornados hereditários,
acostumaram-se a olhar sua magistratura como um bem de família; a se olharem
eles mesmos como os proprietários do Estado, do qual, a princípio, eram apenas
oficiais; a considerar seus concidadãos como seus escravos; a contá-los, como
gado, no número das coisas que lhes pertenciam; e a se considerarem eles próprios
iguais aos deuses e reis dos reis. (OD, p 46)
Esta seria, no entender de Rousseau, a origem das desigualdades entre os
homens. Sua privação de liberdade não atinge somente aos que foram
escravizados, mas também aos senhores que deles agora dependem. Criou
privilégios e estes devem, por força de coerência lógica, manter as
desigualdades. Se todos têm privilégios já não é mais privilégio algum.
3. O pensamento de Revolução francesa
Uma república democrática, um contrato social, um povo livre e
independente. A independência dos Estados
Unidos da América ocorrida em 1776 transforma-se na concretização de idéias
que por séculos foram sendo forjadas, mas que careciam de acento na realidade.
Obra prima da maturação conjunta das idéias de ilustres pensadores agora sem
fronteiras. Sem monarca, terras a perder de vista, sem colonizadores, sem
privilégios pessoais, com o privilégio da liberdade e não ao jugo, mas sob a
proteção das leis legitimamente constituídas e aceitas. Diz Chatelet:
- Enquanto tal ela se constitui ao mesmo
tempo um modelo e um exemplo na luta contra uma sujeição ilegítima, travada em
nome da igualdade natural, da liberdade de empresa e para cada um, do direito
de usufruir de sua propriedade e os frutos de seu trabalho, assim como para a
coletividade, de escolher as instituições e os magistrados que lhe convenham. (CHATELLET,
1982 p 88)
A restituição da liberdade para um cem número de colonos que buscavam em
além mar o que a Europa não conseguia oferecer. A redenção a partir de uma nova
oportunidade. O resgate do humano, embora ainda a preservação da propriedade privada. Agora repaginada
sim, não mais posse única de um déspota que dela fazia valer seu poder de
subjugar, mas a apropriação de qualquer pedaço de terra por onde em passando
uma caravana se avistasse um belo alvorecer ou o altivo pio de uma águia, lá
poderia se fixar sem dever humilhações e sem prestar contas a qualquer monarca.
Os avanços da ciência promoviam um acumulo de
conhecimentos que a partir de então não caberiam na consciência de um só homem.
Tanto quanto para alguns era conhecimento que não devia ficar sob o
confinamento de castelos, nem de monastérios. A idéia de Enciclopédia ou, como diz Reale: “[...] dicionário racional das ciências, das artes e dos ofícios.” (REALE,
2003 p 691), surge na esteira da democratização do conhecimento. Mas não só
isso, o desvio de foco da própria filosofia que até então concentrada nas mãos
e no pensamento de elites sociais se perdiam em especulações metafísicas, por
assim dizer de pouca utilidade. É
exatamente essa utilidade que ganha centralidade dos pensamentos dos
enciclopedistas do qual Rousseau fazia parte junto com outros. Conforme o Discurso sobre as artes e ciências de
Rousseau, não se trata de discussões metafísicas, mas da felicidade humana.
Felicidade que se resume à condições práticas
de vida e dignidade. Da vida da população que deveria estar legitimamente
representada no governo, tanto quanto no clero. A França do Sec. XVIII não era
por assim dizer pobre. Embora alguns historiadores dêem como motivação a
pobreza representada na célebre frase atribuída a Maria Antonieta: “Se o povo não tem pão, que comam brioches!”
A pobreza poderia ser uma motivação compreensível, mas existia também uma crise
de representatividade que não se alinhava aos ideais traçados por Montesquiseu
e Rousseau. Não só do governo mas de outras elites culturais como afirma
Rousseau:
Temos físicos, geômetras, químicos,
astrônomos poetas, músicos, pintores; não temos mais cidadãos, ou, se ainda nos
restam alguns, dispersos nos campos abandonados, aí morrem indigentes e
desprezados. (DA)[4]
Mesmo na alta nobreza a representatividade não se fazia ver. Maria
Antonieta era Austríaca e com certo esforço se desvencilhava na língua
francesa, mas poucas honras rendia aos costumes, menos ainda ao povo.
Os ideais de liberdade tomam forma com a queda da Bastilha. A libertação
de opositores ao regime faz coro aos ideais de liberdade. Mesmo proibida
legalmente a enciclopédia gritava alto, senão nos ouvidos e corações do grande
povo ao menos na burguesia, capaz de mobilizar e orquestrar a massa. O regime é
deposto, a alta nobreza julgada, condenada e decapitada. Emblemático fim de um
modelo que tolhia a liberdade. A burguesia ascende ao poder não só na França,
mas a partir desse precedente ocorre como que num efeito dominó uma mudança
conceitual e uma repaginação das monarquias européias.
Um capitalismo nascente privilegiando as iniciativas privadas. Iniciativas
que promoveram um grande desenvolvimento social. A queda da bastilha na França,
orquestrada por essa burguesia tanto derrubou cabeças, quanto os muros que
impediam a mobilidade nos diversos estratos sociais. Os caracteres distintivos
agora eram outros. Menos importante agora um título de nobreza e mais a posse
das condições de produção de bens. Menos importante as terras e mais importante
a ousadia e o empreendimento. Crescimento agora é menos questão de berço e mais
de empenho e dedicação.
4. O efeito do Iluminismo nos nossos dias atuais
Fruto da iniciativa privada o
capitalismo mudou os contornos do mundo. Promoveu uma migração acelerada para
grandes cidades, criou escolas laicas disseminando conhecimentos e técnicas
importantes para uma nova ordem mundial. Novos campos de trabalho nasceram para
girar de modo eficiente toda essa máquina. Era também preciso eleger outro
elemento distintivo que não os ultrapassados títulos de nobreza ou latifúndios.
Ficou assim eleito o capital. Isso
democratizava o poder, na medida em que retirava a prerrogativa da
hereditariedade da nobreza e agora premiava o esforço o empenho, a dedicação e,
sobretudo, o trabalho.
Este parece ser um cenário perfeito para o enredo de uma história de
sucesso de nosso modo de viver contemporâneo. Contudo, no meio deste cenário de
sol, ar fresco e campinas verdejantes, também nasceram algumas ervas daninhas.
Uma competitividade desmedida, uma especulação sem sentido, uma busca
desenfreada pelo lucro, tanto quanto
uma crescente acumulação ou apropriação de todos os recursos de
produção, inclusive humanos, sem contar com uma extração predatória de recursos naturais e uma falta de zelo sem
precedentes para com o meio ambiente. Nada contra a propriedade privada, o
lucro ou a competitividade. Tampouco contra o enxofre, o salitre e o carvão
(fórmula da pólvora), mas se juntarmos esses ingredientes, temos uma combinação
bastante explosiva.
Como dissemos esse modelo premiava o trabalho, a iniciativa e o empenho.
Isso seria ótimo se uma competitividade desenfreada e uma busca incessante pela
apropriação de recursos não concentrasse em poucas mãos as condições de
possibilidade para a iniciativa privada. À grande e maciça maioria da população
que ficou um tanto à margem dessas mudanças coube apenas um papel coadjuvante.
Coube a esses, se tanto, uma mudança de tutela.
Se antes ela ficava até certo ponto tuteladas pelas monarquias, na nova ordem,
os proprietários dos meios de produção passam a assumir esse papel. As empresas
primeiro e agora os proprietários do capital passam a ser os novos monarcas.
As ciências e a tecnologia, que seguiram como fieis companheiras do útil e do prático ofereceram o suporte necessário para o desenvolvimento da
vida tal qual hoje conhecemos, mas é também justo mencionar seus efeitos
colaterais. O artístico, o belo e o sagrado acabaram por transformar-se em meras coisas inúteis. Outros
modos de ver o mundo são agora proscritos. O artista revela um mudo ingênuo ou
irreal. Na medida em que o revela tão somente como visão exagerada ou
distorcida da realidade ou no mínimo como mera cópia inútil. Outro flanco da
arte revela somente a ficção, ou seja, mera possibilidade fantástica e de
qualquer modo irreal. O religioso transforma-se em hipótese improvável ou
milagre particular. O artista é um distraído que se ocupa de coisas inúteis. O
religioso somente é buscado como recurso do desespero ou ineficácia. Apenas
como subterfúgio do incompetente. O problema é que isto assim posto retira do
nosso dia a dia todo o sagrado como também toda a beleza.
A iniciativa privada que surgia envolta em uma capa dourada onde se lia a
inscrição: Liberdade, Igualdade e Fraternidade,
símbolos das luzes da razão e
empunhando uma reluzente espada protetora dos deserdados sociais agora se volta
contra seus fiéis escudeiros e os subjuga meramente como massa de manobra. Visa
o lucro muito mais do que qualquer contribuição social. O trabalhador é somente
uma das variáveis do balanço. Em caso de prejuízo iminente corta-se a folha de
pagamento para eliminar ou atenuar prejuízo. Como uma prática de esfoliação de
uma camada epidérmica dispensável com o objetivo de dar um novo viço à
aparência.
Pode-se pensar que esse seja um mecanismo vil de dominação de uns sobre
outros, mas em geral se podem ver mesmo pessoas altamente endinheiradas reféns
das tantas horas de trabalho. O tempo todo conectados, absorvidos ou
escravizados por compromissos e números. Como se tivessem todos de servir
fielmente a um novo monarca: o capital.
Um ser sem face definida, déspota que para nos oferecer alguns tantos confortos
nos cobra exigentes tributos. Um tirano que maquiavelicamente se mostra como
promissor, mas que nos aferra a inúmeras atividades, muitas vezes sem o menor
sentido ou com sentido estritamente capital.
Ora, mas se todo o movimento capitalista, que via nas empresas o sucesso
da iniciativa privada ser coroado e premiado, visava uma libertação social o
que conseguimos foi somente uma nova bastilha agora não política. Ficamos
aprisionados pelo próprio modo de vida que construímos.
REFERÊNCIAS.
Discurso sobre
as ciências e as artes:
Discurso sobre a
origem das desigualdades entre os homens:
Sobre a
revolução francesa:
CHATELET, FRANÇOIS. Histórias das idéias políticas. Rio de
Janeiro: Jorge Zahar, 1985
REALE, GIOVANNI. História da filosofia:
Do humanismo a Kant / Giovanni Reale, Dario Antiseri. 6ª. Ed. São Paulo:
Paulus, 2003. (Coleção filosofia).
SCIACCA, Michele
Frederico. 3ª edição, Trad. Luis Washington Vita, São Paulo: Mestre Jou, 1968
(Coleção fundamentos de filosofia)
[1] Discurso sobre as ciências e as artes. Discurso que
conquistou o prêmio da academia de Dijon no ano de 1750 sobre esta questão: “Se o restabelecimento das ciências e das
artes contribuiu para purificar os costumes.”
[2] CS – Do
contrato social
[3] OD –
Discurso sobre a origem das desigualdades
[4] O
discurso acerca das ciências e das artes (DA) encontra-se disponível na
internet na íntegra, mas não mencionaremos o número da página por variar em suas
diversas fontes.
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