Semiaposentadoria
(Por Jadir Mauro Galvão)
Estamos as voltas com problemas
da previdência e gostaria de me permitir algumas reflexões acerca desse assunto
que parece não ter consenso entre todos os envolvidos. Postulantes a
aposentadoria, contribuintes, governo não querem abrir mão cada qual de seus
interesses provocando um impasse aparentemente insolúvel. Aqui o embate
ideológico ou por interesses excludentes parecem oferecer oposição sistemática
que produz um imbróglio bastante grande.
Vamos a uma primeira análise que
me permito que seja simples. Tão simples que especialistas em previdência me
tomariam por um mero ignorante, mas mesmo correndo esse risco acho o argumento
pertinente. Veja só: caso um trabalhador atue durante trinta anos e contribua,
digamos que, com dez por cento de sua remuneração bruta ao longo de todos esse
tempo. Mais do que isso, digamos que ele sempre ganhou bastante bem ao longo do
tempo e pense em se aposentar sem prejuízo de sua remuneração mensal ordinária.
Grosso modo, descontando qualquer tipo de inflação e até de correção dos
valores que contribuiu, façamos a seguinte pergunta: durante quanto tempo esse
indivíduo conseguiria viver de suas próprias reservas? Resposta simples: dez
por cento do tempo de contribuição. Se trabalhou, como dissemos, durante trinta
anos, suas reservas se esgotariam ao cabo de três anos. A partir de então ele
já não teria mais reservas financeiras feitas por geração própria.
Claro, a previdência não funciona
assim, mas diante do exposto podemos ver que o cálculo não fecha e que
precisamos de outras mecânicas para garantir uma vida minimamente digna depois
de tantos anos de trabalho. Contudo, precisamos saber que, de partida, alguém
precisará complementar a nossa aposentadoria de algum modo. Algum artifício
deve ser feito. Sabemos que os trabalhadores ativos produzem um montante de
contribuição que supre (ou deveria suprir) os inativos, isto é, os aposentados.
Com a população envelhecendo e o desemprego em alta a conta começa a ficar
crítica e assim ouvimos com preocupação a palavra déficit, reiteradas vezes nos noticiários.
Os trabalhadores defendem o que
acreditam ser seu direito adquirido. Mais do que isso, a maioria da população
não tem o trabalho dos seus sonhos. Não realiza atividades profissionais que
lhe gerem prazer cotidiano. Nesse cenário, aposentadoria soa mais como uma
carta de alforria de uma neo-escravatura. Fala-se em aumentar o tempo de
contribuição e obrigar que os trabalhadores se aposentem apenas aos sessenta
anos de idade ou mais. Falando em escravatura, essa parece mais uma lei dos Sexagenários, que tornava os escravos
livres a partir dessa idade. Tal lei na época da escravidão beneficiou a bem
poucos. Primeiro, pelo fato de que poucos eram os escravos que conseguiam
chegar a tal idade. Segundo que, uma vez livre, o escravo ainda teria sob seus
ombros a responsabilidade de se auto sustentar pelo restante de seus dias.
Livre, sim, mas a que preço? No caso da aposentadoria é a mesma coisa. Que
qualidade de vida se poderia proporcionar a alguém que viveu a maior parte de
sua vida indo de um subemprego ao outro sem conseguir aquinhoar condições
mínimas para usufruir o tanto de vida que lhe resta após sua alforria (ops!) aposentadoria?
Claro, precisamos considerar que
as tábuas atuariais dão conta de que o tempo de vida médio da população
aumentou consideravelmente nos últimos anos e que tende a crescer ainda mais. A
expectativa de vida que beirava os cinquenta ou pouco mais que isso, já passa
dos setenta e falar-se de oitenta, noventa ou até mais de cem já não soa tão
estranho. Com isso, a proporção de trabalhadores ativos versus aposentados colocará
um grifo em vermelho perene nas contas previdenciárias.
Por outro lado, uma vez que as
aposentadorias, em geral, somam valores bastante pífios, não raro vê-se
aposentados voltando clandestinamente a ativa, na intenção de suprir o restante
do orçamento. Mas não creio que o orçamento seja a única justificativa. Sim, é
interessante continuarmos na ativa com mais de cinquenta ou sessenta. O
problema é que esse retorno mais parece aquele do escravo livre que prefere
continuar a servir seu feitor por falta de alternativas. Em geral, quando
fazemos o que gostamos não desejamos parar de trabalhar, mas creio que a partir
de certa idade reduzir a carga de trabalho diária ou semanal pode ser visto com
bons olhos. E são em torno dessas perspectivas que nascem minhas sugestões para
contornar o déficit previdenciário.
E se dos próximos aposentados se
permitissem uma aposentadoria parcial? O gajo poderia escolher uma
aposentadoria de cerca de cinquenta por cento, mas podendo continuar a
trabalhar o restante do tempo? Mais do que isso, e se se investisse e se
incentivasse uma nova formação profissional não mais ao critério do mercado,
mas pelo estrito prazer do semiaposentado? Com a adesão livre das pessoas por
tal modelo a previdência reduziria em metade o valor pago para os novos
aposentados. Investiria uma pequena parcela na formação e num trabalho que
proporcionasse prazer, satisfação e realização e o empregador poderia ter uma
nova classe de empregados em tempo parcial trabalhando com prazer e não mais
por obrigação.
Não haveria a obrigatoriedade de
se trabalhar oito horas por dia ou mesmo os cinco dias da semana e, com isso,
sobraria tempo para que o mesmo pudesse usufruir o restante de seu tempo em
outro tipo de atividade. Viagens ou um hobby qualquer.
Trago essa ideia de um ocorrido
em minha carreira. Atuava em uma empresa de prestação de serviços que passava
por dificuldades pois seu principal contratante havia solicitado um tempo para
se organizar melhor e refreou os contratos deixando a empresa á míngua durante
um bom espaço de tempo. A empresa, na melhor das boas intenções reteve seus
principais quadros na ideia de preservar o conhecimento e o capital humano, mas
chegou o momento em que houve a necessidade de cortar alguns funcionários. Eu e alguns amigos entramos nesse corte, mas diante
da alegação da empresa fizemos uma contraproposta de reduzir nossos contratos
para cem, ao invés de cento e sessenta horas mensais de trabalho e remuneração.
Com isso poderíamos nos unir e tentar tocar outros projetos em paralelo que
poderiam nos proporcionar outras rendas ou mesmo ter mais tempo com a família. A
proposta foi bastante bem aceita, mas seria ótima se fosse alguns meses antes.
Naquele momento as finanças já não permitiam tal manobra. Os empregadores disseram
que cogitaram tal proposta, mas acreditaram que ela não seria aceita por nos e
ficaram surpresos quando da nossa proposta.
Postergar a aposentadoria e
prolongar o tempo de atividade profissional nos mesmos moldes de subempregos
atuais certamente não seria uma proposta aceita de bom grado, mas certamente ainda
nos resta muita lenha para queimar após os cinquenta anos. A proposta é a de
oferecer aquilo que ainda não conseguimos. Dignidade, humanidade em atividade
profissional prazerosa. Para a previdência haveria uma redução de cerca de
metade dos gastos para quem aderir a proposta. Junto com outras tantas
propostas podemos chegar num modelo que possa contemplar o inexorável
amadurecimento da população e quem sabe não podemos mais adiante estender essa
redução de jornada até para os mais jovens?
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