Cultura, qual é a sua?
Por ( Jadir Mauro Galvão, Alessandro Rosini e Rosemary Matias)
Resumo.
A cultura nasce, cresce e se modifica silenciosamente no interior
de uma sociedade e nas relações de convívio entre as pessoas. Dentro das ideias
de grupo social e subgrupo, nos embates e estranhamentos com contraculturas e
na influência exercida por outras culturas. Mas essas múltiplas dinâmicas e
influências nem sempre se dão conscientemente, tampouco racional e
intencionalmente. Inclusive pode ser colonizada e influenciada deliberadamente
com objetivos e interesses alheios. Nesse estudo vamos tentar aclarar as
múltiplas influências que engendram uma cultura. As bases conceituais em que
elas se constroem e os problemas que elas suscitam. Mas nem sempre temos claro
qual é a nossa cultura, o que veio por influência de outra e o que foi
introduzido sorrateiramente e sem nosso consentimento. Para tentar aclarar
essas múltiplas influências, vamos elaborar um protocolo (Jogo) rápido de
autoidentificação da nossa cultura para que ela nos venha a tona de modo
consciente na intenção de selecionarmos o que queremos que nela permaneça e o
que podemos deixar de lado.
Palavras-chave: Subcultura;
Contracultura; Etnocentrismo; Colonização cultural; Indústria cultura.
Introdução.
A “outra” cultura é fácil reconhecer. Pelo contraste, pela
curiosidade, pelo fascínio ou pela repulsa que ela causa em nós. Mas como
reconhecer o que realmente faz parte da “nossa” cultura? Ela parece tão insuspeita e comum que nem
sempre nos damos conta dos seus traços distintivos. Cada um dos aspectos,
entrelaçados ou individualmente, chegaram e se instalaram em nosso espírito
devagar e silenciosamente através da educação, da criação, de aprovações ou
censuras sociais. Componentes da minha cultura, por vezes, parecem que sempre
foram assim e que em qualquer lugar é do mesmo modo. Não tem outro modo de ser.
Só no contraste com a outra cultura é que a estranheza desponta. Por isso nos é
mais fácil descrever a cultura do outro. Sobretudo nos traços em que ela difere
da nossa.
Por sua característica plástica e permeável, a cultura recebe,
inevitavelmente, influências de todo o lado. Nós, brasileiros sabemos da
influência que recebemos de muitas outras culturas que vieram ao longo de nossa
história. Foram, italianos, africanos, alemães, árabes, judeus, asiáticos,
entre tantos outros povos, que formaram uma miscelânea cultural que se
transformou em nosso traço distintivo. São influências, por vezes, bem-vindas,
que proporcionam um acréscimo enriquecedor. Mas essa plasticidade pode ser
usada sorrateiramente. Existem processos
conhecidos como colonização cultural ou mesmo uma indústria cultural. São
processos de influência deliberada e com propósitos específicos nem sempre
enriquecedores.
Daí a importância de ter claro os principais conceitos e seus usos
e práticas para que possamos preservar o que nos é tradicional e caro, do que
tenta se achegar e se impor sem nossa permissão e mesmo para evitar de cair nas
ciladas dos julgamentos efetuados de modo etnocêntrico.
É sobre essas características que queremos nos debruçar nesse
estudo. Que elementos caracterizam uma cultura? O que diferencia uma cultura de
uma subcultura e de uma contracultura? Nosso objetivo é despertar nosso olhar
para reconhecer o que há de distintivo em nossa cultura. O que nos faz
diferente dos outros e o que de alheio se incorporou a ela. Uma noção geral sobre
os principais conceitos que cercam o tema que nos permitam identificar os traços
mais tradicionais de suas transformações espontâneas, as influências vindas de
fora e mesmo o que de sorrateiro tenta se instalar em nosso espírito se
aproveitando de nossa boa fé.
Material e métodos.
Vamos nos valer de uma breve revisão de textos clássicos e também
de estudos recentes sobre o tema na tentativa de aclarar os conceitos, mas
principalmente, nos concentrar nos elementos que nos permitam identificar os
traços de nossa própria cultura na intenção de preservar o que de valioso e
tradicional temos em nossa cultura e conseguirmos selecionar o que queremos do
que nos é oferecido.
Para isso, vamos tentar elaborar um protocolo breve como um jogo de
identificação de traços culturais que nos permita afirmar conscientemente nossa
cultura ao mesmo tempo que afirmamos a cultura do outro, no sentido afirmativo
recíproco. Valorizando tanto a nossa quanto a outra cultura.
Discussão.
Cultura é daqueles conceitos que os autores sempre se valem das
reticências e dos etecéteras. É que são tantos os traços que merecem
consideração em particular que seria difícil dar conta de todos. E mesmo os
modos de olhar são tão múltiplos e pessoais que podem ser destacados que cada
autor se sente constrangido em colocar a coisa em modo definitivo pois
certamente vai deixar escapar um ângulo ou outro. Mas isso não impede de nos
lançar nosso olhar para ver mais de perto e não deixar a ideia apenas no vago,
como que subentendido. O que dizem os clássicos? Vamos listar alguns elementos que são mais
unânimes nos autores. Religião, língua, culinária, ritos, mitos, indumentária,
crenças, valores, folclore, danças e festas típicas, a moral, o modo de agir
geral ou em dadas circunstâncias...
Santos (2006) fala que cultura é tudo aquilo que caracteriza a
existência de uma nação ou de um povo. Pode-se falar de uma cultura francesa ou
xavante. Um azulejo português ou uma tradição moura. São aqueles traços mais
característicos e distintivos.
Chauí (2008) fala que é uma criação coletiva de ideias, símbolos e
valores. Obras do pensamento e da arte. Na verdade, ainda não há consenso
acerca de uma definição de cultura. Há muitas visões diferentes sobre o tema.
Como situar a cultura?
Laraia (2009) nos conta que hoje já há um consenso de que todos os
seres humanos que habitam nosso planeta são partícipes da mesma espécie
biológica. Nem sempre se acreditou nisso. Mas cada grupamento desenvolve sua
própria cultura. Não está na biologia o fundamento para diferenciar duas
culturas muito diferentes. Tampouco pode-se crer que tais diferenças se deem em
razão da região física em que habitam ou da disponibilidade ou não de insumos
materiais.
O mesmo Laraia (2009) reconhece que já se postulou que haveria um
evolucionismo cultural e que as diferenças seriam estágios evolutivos que todas
as culturas passaram em algum determinado momento. Mas hoje essa perspectiva
parece não se sustentar.
Fato é que há uma diferença
nítida entre questões naturais e culturais. Podemos mudar nossa alimentação,
nossas crenças e nossos valores. Mas nossa natureza ainda será a mesma.
Se bem notarmos nossa evolução se deu muito diferente do que
ocorreu com os animais. Se os postulados de Darwin estiverem corretos, os
animais foram se especializando e se adaptando às condições de seu habitat e
deixaram suas adaptações como legado biológico para seus descendentes. Tais
adaptações ocorreram no próprio organismo do animal. Seus olhos foram se
especializando, seus ouvidos, o olfato, as asas, a capacidade de respirar em ar
rarefeito...
No homem as coisas aconteceram fora do seu corpo em sua maioria.
Enxergamos melhor que uma águia ou que um lince. Corremos mais que um avestruz
ou um guepardo. Voamos mais alto que uma águia ou um abutre. Mas para tanto
precisamos de aparelhos que nos são exteriores. Nosso corpo continua com as
mesmas limitações naturais.
Mesmo na questão da adaptação somos diferentes. Ao invés de nos
adaptarmos ao meio, nós mudamos o meio para que este fique como nós queremos.
Transmitimos nossas poucas mudanças genéticas aos nossos
descendentes., mas nosso legado mais importante é transmitido pela cultura. Pode-se
sim afirmar que somos os únicos seres do planeta dotados de cultura. E que a
transmissão não é biológica. (LARAIA, 2009).
Deixamos nossos instrumentos e nossos conhecimentos, nossa arte e
nosso modo de vida para nossos descendentes.
QUINTANEIRO (2002) nos conta que Durkheim concebeu em sua
sociologia o processo de socialização como um processo de transmissão da
cultura ou do modo de ser e de funcionar da sociedade. Mais até do que pela
educação formal a socialização se dá no convívio simbólico das representações
sociais.
Não só as crianças são ensinadas sobre as permissões ou restrições
sociais, mas também o estrangeiro que começa a interagir com nossa cultura.
Este estrangeiro pode participar das mesmas representações gerais da cultura,
mas pode estranhar algumas dadas especificidades.
É aí que nos deparamos com os limites e extensões da cultura e
mesmo de sua diversidade. Charom (2004) trabalha
com a ideia de que uma cultura representa um grupo social, mas concebe que
existam subgrupos sociais que partilham do geral da cultura, mas guardem suas
especificidades. Uma subcultura, por assim dizer. Concordam no geral e mesmo em
suas particularidades não são estranhas quando consideradas no todo.
Brasileiros no geral partilham de uma mesma cultura, mas existem
notórias diferenças entre gaúchos e cariocas, entre paulistas e mineiros. Entre
caiçaras e caipiras. Diferenças nas danças, na culinária, no sotaque, nas
tradições. São subconjuntos de um todo maior. Não diferem no geral, mas no
particular.
Mas existem outras diferenças que nem sempre se consegue
conciliar. Algumas sociedades alternativas parecem romper em alguns traços com
a cultura geral. São contrários e rejeitam a cultura dominante. Olham-se como
estranhos, diferentes e não se identificam. Não podem ser caracterizados como
subculturas, mas sim como contraculturas.
O movimento hippie trouxe essa característica do contrário. Não
necessariamente queriam formar outra cultura. Precisavam se opor à que já
existia. Se opor aos valores, as práticas. Não apenas virar as costas, mas
contestar. Não necessariamente mudar o outro, mas se opor, confrontar,
afrontar. Não eliminar a outra cultura. A eliminação da cultura a que se opõe
esvazia de sentido a contracultura e ela perde seu propósito.
Mas, se até agora fomos bem-sucedidos
em nossa explanação é possível inferir que, no geral, a cultura emerge de
dentro para fora, nas interações entre pessoas de um grupo. Se cristaliza nas relações
e se espraia até onde encontra eco. Até onde ela faça sentido. Quanto mais
longe ela for, mas especificidades vai colecionar. Mas vai se espraiando da
base do grupo para o geral da sociedade se diferenciando e se especificando nos
mais diversos subgrupos sociais. Este é o geral, do nascimento até a foz das
culturas.
Guardam em seu âmago traços semelhantes e de um apelo que ecoa
novamente no coração das pessoas individuais. Os indivíduos se reconhecem nas
semelhanças de tais traços. Isso produz um senso de pertencimento bem-vindo e
bem-visto no particular que ressoa no todo.
É nesse senso de pertencimento que nos leva tanto a uma identidade
cultural quanto ao estranhamento da cultura do outro. Dissemos um pouco antes
que a outra cultura nos aparece num fascínio ou numa repulsa. De qualquer modo
ela se nos aparece como outra, como estranha.
É esse estranhamento que nos leva a incorrer no erro do etnocentrismo. É
olhar para a outra cultura e acreditar que ela está certa ou errada.
É a moral de uma cultura que nos oferece o conjunto de certos e
errados. E ela pode não estar apta para analisar em profundidade a cultura do
outro. Esta foi moldada pela sua história, pelos costumes, pelos ritos, numa
palavra, pelo seu modo de ser e de existir. O valor que dá sentido ao costume
nem sempre fica aparente. Acabamos balizando pelo nosso conjunto de certos ou
errados. O valor nos escapa. A conduta é mais aparente, os valores e os
sentidos nem sempre. Acabamos considerando certo ou errado aquilo que não
entendemos direito. E não entendemos pelo fato de trabalharmos com a lógica da
nossa cultura. Mas não foi com a nossa lógica que a outra cultura foi feita. A
lógica do outro não se faz ver facilmente. É preciso certo esforço para entrar
na lógica do outro. Abandonar a nossa lógica a nossa cultura temporariamente
para compreender o sentido interior da conduta do outro.
Contudo, esse modo ordinário que acabamos de descrever pode ser
conhecido, tanto quanto previsto, controlado pela ciência da sociedade, e
replicado deliberadamente com propósitos outros.
É isso que denuncia Theodor Adorno (2002). É possível identificar
os traços mais característicos da cultura e transformá-los em clichês para sua
reprodução em escala industrial. Este é o cerne do que Adorno chama de
indústria cultural.
Não se trata mais de deixar a cultura e as pessoas cuidarem de sí
mesmas e aguardar seu tempo de maturação, mas de colher os traços como sementes
a serem plantadas, testá-las em “laboratório” próprio, quiçá modificá-la em seu
“genoma” e cloná-la para depois semear no seio da sociedade, regando todos os
dias para que o investimento possa se tornar devidamente lucrativo.
Torna-se menos importante o brilho próprio do artista e mais
importante o brilho que se empresta a qualquer um para transformá-lo em
artista. Uma fábrica de ídolos pop forjados a partir de mão de obra ordinária.
Se não for esse pode ser outro. O insumo pode variar, mas a forjaria da indústria
não falha, produz o sucesso e o aposenta quando outro modelo se mostrar mais
rentável.
A indústria de massa se incumbe de construir a moda, o estilo, o
tipo e construir a cultura que melhor lhe convém. Para Adorno (2002) o rádio, a
TV, os jornais e revistas, mas para nós a web com 5G acelera ainda mais a
velocidade com que a “cultura” pode ser criada, implantada e modificada. A
cultura preserva a tradição que honra o valor. A indústria cria o valor que
vende o produto.
A mão de direção agora se inverte. O que era de dentro para fora,
de baixo para cima, dos grupos para a sociedade, agora é de cima para baixo e
de fora para dentro. Da indústria para os meios de comunicação de massa, até o
mais longínquo indivíduo da sociedade que puder ser alcançado. As fronteiras
não mais identificam e distinguem uma de outra cultura, mas homogeneiza para
ganhar mais mercado consumidor. Não importam as diferenças de um grupo a outro.
Pode-se homogeneizar o gosto e o paladar. Isto também é afirmado por Porazzi (2012), ao tratar do movimento
Slow Food.
O Slow food se opõe ao modelo fast, tanto de food quanto de life. Não
é na celeridade do fast que se concebe uma verdadeira vida, cultura nem o
alimento. Mas sim no slow. Deixando o tempo necessário de preparo e cozimento
da vida. O alerta é para a domesticação do paladar. Não só do alimento, mas do
gosto. Gosto pela arte genuína e com brilho próprio.
Este embate entre o slow e o fast que remonta ao
“Time is Money”, é mais acirrado e assimétrico do que pensamos. Com o apelo ao
rápido e prático somos colonizados por uma indústria globalizada sedenta mais
pelo retorno do investimento do que pela diversidade e riqueza cultural.
Sabemos bem o que é ser colonizado. Nossa gênese tupiniquim nasceu
de um solapamento de toda cultura que havia e foi colonizada por um modelo que
pouco ou nada combinava com o clima tropical. A roupa, a religião, os costumes,
as festas todas foram importadas de além-mar. Para satisfazer aos
recém-chegados que pouco ou nada se deixaram influenciar e mais influenciaram.
Grande parte do conhecimento e dos costumes originários pode ter
se perdido ou naufragado nas naus portuguesas ou espanholas. Quijano (2005) nos
fala que se reprimiu todo tipo de manifestação original de cultura. Fomos
colonizados, nos transformamos em colônia. Adquirimos um status inferior ao do
colonizador. Subalternidade assumida e propagada. A cultura de categoria
inferior menosprezada em relação a cultura do colonizador. Este sim digno e
superior. Sua força e sua tradição se implantaram a despeito de qualquer
contrassenso. Junto vieram sua arte,
arquitetura, alimentação e modo de viver mesmo que não combinassem com o
ambiente ao seu redor. Nascemos e crescemos em meio a tradição milenar
europeia.
O modo de viver coletivo dos povos originários deram lugar a outro
mais individualizado. Nossa arquitetura convida a reclusão da casa ou do
apartamento e não ao convívio. Nossas roupas convidam mais à formalidade de uma
elegância vitoriana do que a uma temperatura de 38º C.
São traços de culturas que não nasceram por aqui, mas foram
importados de outro continente, de outros povos e de outras épocas.
Nosso cotidiano é cercado desses tantos traços difíceis de
enumerar. Desde a escolha de qual roupa usar naquele dia, o que comer, onde
comer, o que fazer no final de semana, com o que nos preocupar? O que
valorizar? Fazemos nossas escolhas a
partir de uma cultura que teima em não se converter. Muitos desses traços nos
vêm de fora. De uma tradição que nem sabemos de onde vem. Mas que faz parte de
nossa vida, desde a época de nossos pais e avós.
Não se trata de desprezar qualquer tradição, mas de ter uma
escolha consciente do que realmente tem valor e do que já se esvaziou. Mas mais
do que isso é ter a sorte de escolher entre o que é espontâneo e autônomo do
que imposto e heterônomo. De ter a ventura de construir não só a própria
história como de preservar o legado. De aproveitar a riqueza cultural que a
globalização nos proporciona e de produzir a nossa própria cultura e oferecê-la
com a riqueza de sua genuína espontaneidade. Afirmando-se positivamente. Sem
negar qualquer outra cultura ou julgá-la como certa ou errada, somente na
medida em que ela se alinha ou não à nossa. Mas a de ter a coragem de nos
afirmar positivamente e desavergonhadamente. Um sim a nós mesmos como
construtores de nossa existência.
Mas para tanto será preciso certo esforço para reconhecer o que em
nossa vida é genuíno e o que veio de fora. O que foi escolhido livremente do
que foi imposto pelo mercado. O que realmente faz sentido do que é só
reprodução heterônoma. Mas como
reconhecer qual é a nossa cultura? Será que temos meios de identificar o que vem
fazendo parte de nossa vida desde sempre e não é nossa cultura?
É por esta senda que vai nossa incursão agora. Na busca por um
protocolo que nos permita ser tanto observador quanto observado. Num processo
de autoidentificação dos elementos que exercem influência em nossas vidas na
tentativa de perceber de onde veio, de quando veio e se ainda faz ou não
sentido e mesmo se ainda vale preservar.
Os autores que percorremos nos ofereceram elementos valiosos de
caracterização da cultura. Ela pode ser encontrada em nossas músicas, no
vestuário, na culinária, nas danças e festas... (Mais uma vez vamos nos valer
das reticências). Nossa ideia aqui é menos a de uma identificação objetiva de
nossa cultura, mas sim a de uma caracterização eminentemente subjetiva. Aquilo
que nos permita identificar os traços da cultura que exercem influência em nós
mesmos, no nosso cotidiano.
Ainda persiste o costume de usar paletó e gravata em casamentos,
reuniões de negócio e outras situações mais formais, mesmo que o termômetro
esteja marcando 34º C. A influência europeia, onde o clima é bem mais fresco,
ainda ronda nosso cotidiano mesmo parecendo um contrassenso.
Nossa mesa de refeição matinal costuma ter carnes embutidas ainda
que tenhamos fácil acesso às frescas. Alimentos industrializados e em caixinha
competem com as frutas frescas da época.
Ainda que tenhamos uma ampla diversidade de peixes ao nosso dispor
nos nossos rios e em nossas praias nossos sushis, sashimis e temakis ainda são
de salmão ou de atum que precisam vi de longe para cumprir sua função.
Sabemos que o carnaval e as festas juninas são bastante
tradicionais e continuarão a fazer parte da nossa cultura, mas o que não pode
faltar no seu feriado de carnaval? O que você procura quando vai a uma festa
junina? O que não pode faltar no seu café da manhã? Que tipo de festa você
escolhe ir quando dispões de mais opções?
No lanche matinal oferecido por uma tradicional indústria da
Alemanha eles oferecer pão preto com salsicha e cerveja para acompanhar. Alguns
ainda apreciam molhar o pão no copo de vinho pela manhã.
Estas são tradições antigas e que guardam memórias de infância.
Antigamente era frequente encontrar pinguins sobre as geladeiras, hoje se
costuma colocar imãs de todo tipo.
Estas são duas questões que podem figurar em nosso protocolo. “O
que não pode faltar em...?”. No café da manhã, no seu domingo, na sua viagem de
férias, na sua balada, na sua viagem, na sua mala, no seu guarda-roupas, na sua
mesa de trabalho, no seu dia... E outras tantas coisas que são importantes para
você. De onde vem sua importância? Esta é a segunda pergunta.
Outra pergunta que pode revelar informações importantes é saber de
onde vem essa importância? A resposta pode revelar memórias afetivas e mesmo os
valores que tornaram importante a escolha. Mas depois disso é importante o
processo de escolha. De saber se esta escolha continua fazendo sentido ou não.
Podemos usar essas poucas perguntas para investigar os mais
diversos aspectos da nossa vida e nossa mais cotidianas escolhas. Vamos sugeria
algumas dessas investigações, mas você pode escolher outras tantas que sejam
mais intrigantes para você. O intuito é o da uma auto investigação de elementos
que exercem influência e os valores por trás dessas escolhas.
Escolha agora o aspecto que queira investigar: café da manhã,
festa preferida, viagem da sua preferência, seu guarda-roupa, seu armário, sua
comida preferida...
Chame outra pessoa para te ajudar nisso e para partilha suas
descobertas e depois faça com a outra pessoa a mesma investigação.
Pegue uma folha de papel, escolha um aspecto que queira investigar
que seja bem característico e escreva e investigue com um colega as seguintes
perguntas:
Jogo:
O que não pode faltar em <aspecto>?
De onde vem isso?
Que memória isso te traz?
Isso ainda faz sentido para você?
Isso corre o risco de se perder?
Considerações finais
O cerne de toda cultura e tradição guarda valores dignos de serem
preservados, mas nem sempre ficam explícitos. As tradições rememoram esses
valores. Em nossas escolhas diárias esses valores se fazem presentes.
Importante ter em mente de modo claro e consciente que valores estamos honrando
para que nossa vida seja carregada de sentido. As influências que nos vem de
fora podem enriquecer de valor nosso cotidiano, mas podemos ser vítimas de
colonizações sem o menor sentido. Com isso nossa vida vai perdendo o sentido e
acabamos por fazer coisas de modo automático e fazendo crescer um vazio dentro
de nós.
Nossa cultura é tão importante quanto qualquer outra e se
investigarmos cuidadosamente descobriremos os valores que formam a base dessa
cultura ainda que ela possa nos ser bastante estranha.
Referências
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ARANHA,
Maria Lúcia de Arruda; MARTINS, Maria Helena Pires. Filosofando: introdução a
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CHARON,
J. Sociologia. São Paulo Saraiva, 2004.
CHAUÍ,
Marilena. Convite à filosofia. São Paulo: Atlas, 2008.
LARAIA,
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Porazzi. Fabiele. Slow Food: Por um
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em: https://periodicos.ufsc.br/index.php/interthesis/article/view/1807-1384.2012v9n1p384
Acesso em: 29 nov. 2023
Quijano, Anibal. A colonialidade do
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em: http://bibliotecavirtual.clacso.org.ar/clacso/sur-sur/20100624103322/12_Quijano.pdf
Acesso em: 29 nov. 2023
QUINTANEIRO,
Tânia. Um Toque de Clássicos. MARX, DURKHEIM e WEBER. Belo Horizonte: Editora
UFMG. 2002.
SANTOS,
José Luiz dos, O que é cultura. São Paulo: Brasiliense, 2006
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