Redução da maioridade penal
Realmente o processo de maturação de uma
criança em adulto responsável é bastante variável. Existe um relógio biológico,
mas também existem fatores exteriores, bem como circunstâncias que aceleram ou
retardam essa maturação. Tampouco podemos dizer que o próprio tempo ainda é o
mesmo. Parece que as coisas hoje em dia andam mais rápido do que antigamente.
Quando criança eu soltava pipa (em meu pedaço
chamávamos de barrilete!), andava de carrinho de rolimã, brincava pelas ruas numa
infância sem maiores compromissos e com bastante ingenuidade. Por outro lado
comecei a trabalhar muito cedo. Com catorze já ia para todos os lados levando
cheques para cima e para baixo com contas a serem pagas no último dia de
vencimento. Parece que quando começamos a trabalhar o mundo ao nosso redor se
transforma vertiginosamente. Com dezesseis fui legalmente emancipado, aos olhos
da lei e apenas por conta de um carimbo nas costas de minha certidão de
nascimento já tinha vinte e um. Aos dezessete minha mãe faleceu e isso teve a
capacidade de promover em mim uma grande transformação. Fazia a seguinte
leitura: minha mãe viveu sua vida e partiu deixando todos os filhos bem
encaminhados e adultos (eu era caçula).
Esta é uma entre milhões de histórias diferentes.
De processos de maturação diferentes e condições de vida também diferentes.
Acreditar que até os dezessete anos, trezentos e sessenta e quatro dias de vida
o indivíduo ainda é uma criança e num passe de mágica, de um dia para o outro,
ele se transforma em adulto responsável pelos seus atos é o mesmo que acreditar
na realidade dos contos da carochinha. Tampouco temos um processo de
transmutação como as borboletas. Estas sim, num determinado momento, se
preparam para sua fase adulta e se transmutam de lagarta, depois em pupa e
depois em borboleta. Seres humanos são diferentes e o processo de maturação é
variável. Hoje vejo pessoas com mais de trinta portando-se como verdadeiras
crianças e uma molecada extremamente madura e que já sabe o que quer. Como também
vemos pequenos criminosinhos mais
destemidos do que muito marmanjo.
A lei necessita de critérios. Quanto mais
objetivo melhor. Mas o que deveria ser a tradução de justiça como aquela que se
ajusta, passa a ser apertada para alguns e folgada demais para outros. Que eu
saiba, mesmo para adultos existe o critério do réu primário que goza de determinada folga na lei e que é perdida
quando da reincidência. Vi dia desses a proposta de que a maioridade penal
deveria terminar quando a criança comprovadamente cometesse algum crime. Acho
esse um bom critério, mas mesmo esse não é meu foco nesse artigo. Gostaria mais
de falar do entorno, das condições sociais dessas crianças.
Vemos hoje o resultado de algumas gerações de
crianças que foram educadas por empregadas, tias, avós, vizinhos, pela turma da
escola e pelo pessoal da rua. Após a conquista da liberdade feminina com a
queima dos sutiãs nos anos sessenta as mulheres entraram com força no mercado
de trabalho no justo intuito de obter sua liberdade e resgatar sua dignidade e
individualidade. Acontece que esse fenômeno reverberou também de outros modos.
Com a oferta de mão de obra adicional, os próprios proventos pagos aos homens
foram reduzidos. Simples lei de oferta e procura! Como resultado, hoje é
preciso que tanto o homem quanto a mulher trabalhem para compor a renda
familiar, sobretudo para atender às demandas de consumo atuais.
Perdemos, com isso, um convívio familiar mais
próximo e deixamos nossas crianças sob os cuidados de quem quer que seja que
possa suprir nossa ausência, que agora se tornou necessária. A construção de
nossa sociedade do século XXI criou gerações de pequenos bandidinhos ou
drogados. Não é prendendo essas crianças que resolveremos os problemas
conjunturais, tampouco devemos transformar escolas em depósitos de crianças. Precisamos
remodelar nossa sociedade pensando adiante, na sociedade que queremos
construir. Se vivemos uma geração de pessoas preocupadas com a sustentabilidade
do planeta de modo a que as gerações futuras tenham um planeta melhor, que tal
oferecermos também filhos melhores para esse planeta?
É que um determinado estilo de raciocínio
utilitarista, muito em voga em nossos dias, somente nos oferece uma visão rasa
da situação. Reduzir a maioridade penal para 16, já que esse pessoal foi
agraciado com o direito de votar até para presidente, pode até, num primeiro
momento, ser uma solução para o problema. Mas certamente ira criar outro. Em
nosso sistema judiciário a pena máxima é de trinta anos. Sob determinadas
circunstâncias essa pena é atenuada e pode ser reduzida até para muito menos.
Consideremos que o dito menor infrator seja preso com 16 e fique por lá exagerados
vinte anos. Sairá de seu confinamento com cerca de 36, no auge de sua forma
física, e o pior, graduado e pós-graduado na universidade da vadiagem e da
criminalidade. Transformando-se em uma bomba relógio com data marcada para
explodir. Sem estudo, sem qualificação profissional e acolhido como família pelos
também encarcerados ao longo de vinte anos de sua breve vida.
O problema não esta em reduzir ou não a
maioridade penal. O problema tem múltiplas e complexas dimensões. É uma questão social quando nossa organização
social alija indivíduos colocando-os à margem da sociedade. É um problema da educação que esta sucateada. É um
problema econômico, pois uma lei de
oferta e procura por mão de obra barata, não pode ter como efeito colateral a
total impossibilidade de convívio familiar. É um problema jurídico, psicológico, e
do nosso sistema prisional (o certo
seria dizer correcional, mas como este também não cumpre esse papel...).
Este e um problema multifacetado que
precisaria mexer em feridas abertas da sociedade e mudar coisas erradas, mas
que mantém nossa vida e nossas dores sob certo controle. É mais fácil mudar a
maioridade penal para 16 ou ate para 14, do que pensar de modo profundo,
sistêmico, abrangente, coerente e promover inúmeras transformações no jogo que
estamos habituados a jogar.
Não sei ao certo a melhor forma de expressar, mas esse artigo ficou SHOW de bola. Durante o último ano escolar em um determinado momento precisei participar de um júri, bom fiquei na posição de promotora e defendi que a maioridade penal deveria permanecer e que a solução não seria simplesmente a redução, porque desta forma estarimos só "maquiando" o problema, esse artigo mostra de forma mais crítica a visão que poucos tem, pois esses não possuem opinião e são levados a crer no que vêm sem se questionar.
ResponderExcluirParabens..
Luh..zinha!