Dos diálogos e das relações

(Por Jadir Mauro Galvão)

As manifestações populares que se espalharam por vários cantos do Brasil por conta da possibilidade de aumento no transporte coletivo revelaram que há uma forma de diálogo possível entre a sociedade civil e os poderes públicos. Por outro lado, ainda que esta possibilidade pareça um avanço, não consigo ver que a qualidade do dialogo tenha sido das melhores. Os protestos espocando lá e acolá, reivindicando justiça, vinte centavos, criticando a corrupção na política e outros tantos gritos contidos por anos, acabaram por soar mais como o chilique de criança mimada que acabou de ganhar um carrinho de brinquedo preto, mas que preferia o amarelo. Fez birra, não comeu o brócolis, foi para cama tarde até que o pai encontrou o carrinho amarelo, promoveu a troca e satisfez o birrento. Ainda insatisfeito, mas agora sem ter o que reivindicar calou-se seu protesto.
Certamente esta não será a leitura mais bela ou romântica do que ocorreu, tampouco revela sua dimensão e profundidade. O intuito não é o de fazer uma análise complexa do fenômeno, mas apenas frisar um pequeno aspecto que particularmente me chama atenção: a qualidade das relações. Nossas diversas relações são qualificadas, contextualizadas, oportunizadas. Essa mesma qualidade nos predispõe de um ou de outro modo para o diálogo, tanto quanto para a relação. A relação pai-filho, por exemplo: cada um se posta perante o outro com algumas disposições prévias que em alguns casos prenunciam o conflito. Noutras circunstância, esta predisposição pode ser agradável e benéfica à ambos. Contudo se, naquela situação específica que presumivelmente culminará num conflito, um dos dois modificar sua disposição interna para, amigo, isso exigirá uma resposta diferente do outro. Uma mudança unilateral, mas que modifica toda a qualidade da relação.
A relação marido–mulher é outra que pode, amiúde, sofrer com conflitos. As cobranças constantes de um para com o outro, um olhar apenas basta para que a cizânia se instaure. A mudança para a qualidade de amigo, pode não ser a mais adequada. Correria o risco de deixar de fora o ingrediente mais importante: o amor. Não sei que nome colocar, mas se houver uma mudança na disposição previa que transmute a postura, a situação poderia se modificar para algo mais benéfico. Imagine que o outro entenda que ambos estão um contra o outro. Não há como ultrapassar o conflito diante dessa posição, mas se redimensionarmos a postura para um brigando pelo outro, para o seu melhoramento, para seu crescimento. Interessado pelo outro e pela relação. Menos interessado em picuinhas ou orgulho, mas focado na relação e no “Nós”. Não há como manter o grau de conflito no mesmo nível.
Outros tipos de relação também poderiam passar pelo mesmo tipo de transmutação. Chefe–funcionário subalterno, mudando para líder-liderado; cliente-fornecedor mudando para apoiador, mas no caso das manifestações parece ter se estabelecido uma relação tutor-tutelado. Nesse caso o tutor decide o que é melhor para seu tutelado e este faz birra e protesta caso não fique satisfeito. O problema disso é que essa relação não pressupõe co-responsabilidade. Parece que o momento da eleição é o momento em que o eleitor elege seu tutor e transfere para este todas as preocupações com os mandos e desmandos públicos e de brinde ganha autonomia para decidir o que é bom ou ruim para o povo. Seu tutelado só irá se manifestar em casos extremos, mas mesmo assim ainda vai soar apenas como birra de criança mimada. Mas em todo o caso parece existir certo ar de superioridade do tutor que se revela na conduta de diversos políticos. É ele que sabe o que é bom para seus tutelados.

Talvez se precise estabelecer uma séria relação de representação. Neste caso o representante terá a exigência de saber qual a diretriz deve tomar para que esta honre os anseios de seus representados. Cabe aos representados uma diligente vigilância para saber se as decisões realmente representam seus anseios. Mas isso requer comprometimento, vigilância, consciência sobre o que se esta debatendo. Não cabe aqui uma total alienação dos problemas da cidade ou da sociedade. É preciso adquirir certo grau de consciência política. Talvez, nasça daí um ambiente mais propício para chamarmos de democracia do que o que temos hoje.

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