O governo do governo
(Por Jadir Mauro Galvão)
Em breve teremos eleições para vários cargos
políticos, executivos e legislativos. Alguns nomes sobem, outros descem na
gangorra as pesquisas de intenção de voto. Partidos se estapeiam em denúncias de
escândalos e uma esbravejada lavação e roupa suja pública. Certa feita fui
abordado por um desses panfleteiros de campanha buscando meu convencimento para
eu votasse em determinado candidato. Por sorte ou azar eu estava tomando um
lanche ao mesmo tempo em que revisava a aula de política que ia ministrar na
sequência. Apresentei-me como professor da disciplina de política e mostrei-me
bastante avesso ao candidato apresentado e, com isso rechacei a abordagem
inicial. Contudo para minha surpresa fui abordado por outra pessoa que se
apresentava como empresária e dizia conhecer pessoalmente o dito candidato
atestando sua idoneidade. Percebendo que a nova abordagem era feita por alguém
com maior engajamento político como também maior nível de instrução, me vi
obrigado a apresentar uma defesa mais elaborada.
Disse que pouco adiantaria a idoneidade do
nome apresentado, pois nos tempos atuais essa característica faria pouca ou
nenhuma diferença na campanha como na eventual administração. Vivemos em uma
época em que a mídia é imprescindível para vencer uma campanha eleitoral. Isso
custa dinheiro, e muito! Pouco importa sua proposta, seu passado, suas
disposições futuras, muito importa o que dá Ibope. Se uma grande ideia é
lançado por alguém ela pode perfeitamente ser incorporada em outra campanha sem
que se tenha de pagar direitos autorais. Importa mais como você vai vender a
ideia e capitalizá-la em intenções de voto. Para manter-se na mídia é
necessário um bom financiamento de campanha e ninguém financia uma campanha
senão tiver algum segundo interesse motivador. São alguns tantos milhões em
“doações” que superam qualquer paixão partidária e qualquer predileção
ideológica. Trata-se de um jogo e poder, de controle, de manutenção da posição
privilegiada por mais algumas décadas que a doação é muito mais um investimento
de longo prazo. Claro, se o investimento estiver em risco, isto é, se o
interesse segundo que motivou a doação estiver na iminência de naufragar.
Pode-se pegar o telefone e efetuar uma ligação elegante recomendando a posição
apropriada aos administradores. Em um português mais vulgar chamaríamos isso de
“rabo preso”.
No mundo corporativo, em grandes ou pequenas
empresas quando do lançamento de algum produto precisamos especificar nosso
público alvo. Quem é nosso cliente? Quem banca o produto? Quem tem de ficar
satisfeito com a aquisição? Em muitos casos não é o próprio cliente quem tem de
ficar satisfeito, em outros não é ele quem banca. Quem banca uma jóia cara é
uma pessoa, que tem de ficar satisfeito com ela é outra. Quem banca uma
lingirié é uma, quem tem de ficar satisfeito é outra. No caso de uma
candidatura esse fenômeno parece se repetir. Vende-se o produto para a
população, mas quem tem de ficar satisfeito não é ela.
Não se trata das antigas práticas de
coronelismo ou de currais eleitorais que víamos em outras épocas e em outras
paragens. Trata-se, por mais duro que seja admitir, de quem governa o governo.
O político é eleito por voto popular, mas esse voto não é dado para uma
ideologia, para uma proposta administrativa, para um plano de governo, nem para
uma pessoa na figura do candidato. No fundo os partidos e o marketing constroem
um personagem arquetípico e o colocam submersos numa aura mítica. O candidato,
por sua vez, incorpora o personagem e atua orientado por essa mesma aura. Seu
staff “dirige” a atuação com direito a ensaios programados e feedbacks após
suas aparições públicas e corrige eventuais deslizes. Os institutos de pesquisa
indicam se a estratégia está ou não funcionando a contento. Caso contrário, se
solicitam mais doações dos financiadores de campanha para o projeto.
Costuram-se alianças interpartidárias apenas
para se obter mais tempo de exposição em rádio e TV. Mas essas alianças serão
devidamente pagas em sua moeda “natural” de troca: cargos públicos. Tanto maior
será o cargo ou o escalão da administração pública, quanto mais forem os
minutos ou maior o apoio. Cada apoio político já vem com o pacote completo:
financiadores de campanha, apadrinhados e seus devidos compromissos por se
honrar. Tudo em prol da governabilidade!
Essa não pode ser a descrição de uma
democracia! O escrutínio popular somente, sobretudo quando a opinião pública é
com frequencia manipulada sociologicamente, não pode encerrar o conceito de
democracia. Este termo refere-se à uma política feita pelo povo, para o povo, e
o que vemos são interesses minoritários sobrepujando interesses públicos. Um
percentual para cá, uma verba para lá e o projeto é aprovado ou reprovado de
acordo com as diretrizes pré-estabelecidas.
Os grandes grupos privados apóiam tanto vencedores
quanto perdedores. Não importando realmente quem vai vencer a eleição. Não se
trata de obter ou manter certa liderança em seu segmento de mercado. Esses
gigantes estão em diversos segmentos e com diversas marcas. Seus produtos
competem nas gôndolas do mercado, mas a holding é a mesma, o bolso é o mesmo. O
capitalismo absorveu o poder monárquico transformando a fidalguia de nascimento
em fidalguia de investimento. Ainda temos a mesma concentração de poder. Parece
que as iniciativas agora vão na conta de se absorver a hereditariedade. E o
povo? Que comam brioches!
Querido Jadir,
ResponderExcluirEstamos diante de um velho problema: Um povo mal educado vira massa de manobra facilmente. Não se trata das ferramentas de mídia ou quanto dinheiro se investe em exposição e campanha. Trata-se de como o cidadão absorve a dita "informação". O que faz a diferença é o grau de senso crítico no interlocutor. A população brasileira não é contraponto nem para comercial do McDonalds. Engole tudo. A falta de cultura e educação é o único grande problema neste país. O resto é consequencia.
Abraços.
Oi David, o problema da falta de educação ja é histórico, mas o problema central do post é que torna a coisa mais séria. Mesmo que votemos conscientemente, ainda nao conseguiremos criar uma representação legítima e confiável.
ResponderExcluirDe uma espiada nesse site e depois falamos mais. abraços
http://proprietariosdobrasil.org.br/
Olá Professor! Sou seu aluno do atual 1D na FMU e concordo plenamente com o texto. Já trabalhei em estúdios publicitários produzindo jingles para campanhas eleitorais, e apenas para essa pequena fatia do marketing político, já havia uma soma impressionante de dinheiro envolvida, o que confirmou minhas dúvidas sobre o sistema eleitoral. Agora, uma vez que fica claro que a publicidade e o marketing financiados abastecem a nossa democracia, nossa luta não deveria ser contra o voto obrigatório? Pensando em publicidade, diminuir a massa crítica atingida pelas campanhas, e aumentar a influência de quem tem maior interesse e capacidade de pensamento crítico, me parece uma das mais fortes ferramentas contra o atual sistema, e que poderia ser implementada a curto prazo.
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