Inclinações
(Por: Jadir Mauro Galvão)
Muitas pessoas resistem e insistem em determinados tipos de condutas por acreditarem que se tratam de “sua natureza”. De fato algumas de nossas condutas são, para nós, tão habituais que, pouco ou nada distinguimos das coisas que realmente nos são naturais. Alguns tagarelas acreditam piamente que sua tagarelice é tão natural quanto seu braço direito e, com isso, ainda que esse hábito possa provocar uma grande porção de inconvenientes, crêem que os outros precisam gostar deles do jeito que são! O mesmo ocorre com comportamentos arriscados, prudentes, pacientes, imediatistas, perfeccionistas, arrojados, corajosos... Fazem da conduta habitual sua própria identidade: “Eu sou assim!”. Todavia é preciso certo esforço para perceber a diferença entre o que é natural e o que se trata apenas de determinado tipo de inclinação habitual. Ainda que desde criança nossa conduta tenha sido regada com o traço característico, essa pode ser apenas uma característica que precisa ser superada, vencida, ultrapassada. Olhando por outro lado, se essa característica nos “define” ela, ao mesmo tempo, nos limita e nos priva de nossa liberdade de escolher o modo como agir em determinadas circunstâncias. O preço do habito é a privação da liberdade. O habito limita, determina, cerceia e tolhe outras opções.
Muitas pessoas resistem e insistem em determinados tipos de condutas por acreditarem que se tratam de “sua natureza”. De fato algumas de nossas condutas são, para nós, tão habituais que, pouco ou nada distinguimos das coisas que realmente nos são naturais. Alguns tagarelas acreditam piamente que sua tagarelice é tão natural quanto seu braço direito e, com isso, ainda que esse hábito possa provocar uma grande porção de inconvenientes, crêem que os outros precisam gostar deles do jeito que são! O mesmo ocorre com comportamentos arriscados, prudentes, pacientes, imediatistas, perfeccionistas, arrojados, corajosos... Fazem da conduta habitual sua própria identidade: “Eu sou assim!”. Todavia é preciso certo esforço para perceber a diferença entre o que é natural e o que se trata apenas de determinado tipo de inclinação habitual. Ainda que desde criança nossa conduta tenha sido regada com o traço característico, essa pode ser apenas uma característica que precisa ser superada, vencida, ultrapassada. Olhando por outro lado, se essa característica nos “define” ela, ao mesmo tempo, nos limita e nos priva de nossa liberdade de escolher o modo como agir em determinadas circunstâncias. O preço do habito é a privação da liberdade. O habito limita, determina, cerceia e tolhe outras opções.
Se soltarmos uma bolinha sobre
uma mesa de bilhar e ela tiver certa inclinação, a bolinha tenderá a fazer o seu
percurso seguindo essa inclinação. Ainda que o movimento objetive outro
resultado a inclinação se fará perceber no percurso e nos resultados. Tal
inclinação da mesa se deve a determinada falta
de alinhamento existente entre seus pés de apoio. Talvez a mesma analogia possa servir para grande parte de
nossas condutas mais habituais. Não há que se culpar o pé da mesa por tal
inclinação, tampouco ela será justificativa para a falta de equilíbrio. Por
sorte, tanto nas mesas de bilhar quanto em nossa conformação psicológica
existem ajustes que podem colocar as coisas no prumo. É preciso, porém,
considerar que estamos movimentando nosso apoio e abalando nosso equilíbrio
habitual. Tanto na mesa quanto em nossa conduta, certamente precisaremos nos
adaptar às mudanças e recalibrar nossas ações.
São nossas inclinações orientam nossas
mais recorrentes escolhas e proporcionam a maior parte dos resultados que obtemos
delas. Essas escolhas, tanto quanto seus resultados, também por serem
habituais, já se apresentam para nós com a mesma feição de naturalidade. Como
se o mundo fosse realmente assim. De fato, não nos queixamos de nossas
inclinações, nem de nossas escolhas, mas possivelmente de muitos de seus
resultados. Preferimos imputar a responsabilidade ao outro que se incomoda com
nossa natureza. Aquele que não gosta de nós do jeito que somos. Preferimos
mesmo dar por terminados relacionamentos que poderiam ser ricos, apenas para
não abrir mão de ajustes em nossos apoios ou em nosso falso equilíbrio.
Nossos maiores aborrecimentos são
exatamente fruto dessas inclinações, como também as alternativas de como nos
livrar deles. Mas as alternativas que conseguimos vislumbrar, por estarem
também contaminadas pela mesma inclinação, só conseguem nos remeter aos mesmos
problemas que tentamos ultrapassar criando, assim, um ciclo vicioso. Achamos
que os problemas estão fora de nós, e buscamos pontes e atalhos para pular as pedras
do caminho, mas, as inclinações se incumbem de repor as pedras no caminho.
O ponto mais difícil é realmente
distinguir entre o que é natural e a inclinação habitual. Não questionamos, nem
objetamos o fato de respirarmos ar, tampouco de enxergarmos as coisas que estão
ao nosso redor, mas também não nos queixamos sobre o nosso movo de ver o mundo,
tampouco sobre as escolhas que fazemos. São nossas escolhas, são nossas vontades.
Mas não percebemos que nossa vontade esta também sujeita aos efeitos dessa
inclinação. Queremos respirar ar, olhar as coisas ao nosso redor, mas tanto
quanto nosso nariz filtra determinados tipos de impurezas existentes no ar,
nossos olhos, maculados pela inclinação, só nos permitem ver parte da
realidade, o restante é filtrado sem que nos apercebamos disso.
Ofereça, por exemplo, uma
multidão de pessoas para serem observada por olhares diferentes. Um policial
terá olhos para ver atitudes suspeitas, riscos, delitos e vítimas. Um
empresário verá oportunidades de negócio. Um padre observará a conduta de fieis
e de pecadores. Um pessimista enxergará catástrofes, um otimista verá
oportunidades risonhas. Mas a realidade é mais ampla do que essas visões
parciais.
Além de nos privar de grande
parte dos dados existentes, com frequência, nosso olhar acaba por depositar nessa mesma realidade um
punhado de suposições construídas
pela mesma inclinação. A dificuldade é que as imagens construídas, depois de
armazenadas, não se distinguem das reais. Acreditamos ter fitado a pura
realidade e formamos uma visão distorcida dela. Chegamos a jurar que tal fato
aconteceu, e por nos aproximarmos de pessoas com o mesmo tipo de inclinação,
temos até a confirmação de outros. Com isso, vai se formando em nosso espírito
um mapa de mundo e de realidade que é muito mais fruto de nossos próprios
acréscimos besuntados de cima a baixo com nossas inclinações que acabamos por
não reconhecer a própria realidade.
O esforço é o de questionar as
coisas mais insuspeitas: nossas vontades; nossos desejos; nossos planos; nossos
projetos futuros; nossas certezas e convicções mais profundas sobre nós, sobre
o mundo e sobre os outros; enfim, nossas bases de apoio e nosso próprio
equilíbrio. Só assim poderemos superar a determinação dessas inclinações para
ganharmos em autonomia e mesmo em liberdade.
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