Natal e a tolerância!

(Por Jadir Mauro Galvão)

Alguns eventos nos convidam, senão nos exigem que os compartilhemos com pessoas do nosso relacionamento e que, no entanto não convivemos diariamente. Certas pessoas nós procuramos deliberadamente evitar, pois elas têm uma misteriosa capacidade de roubar nossa paz de espírito. Quer por seus gestos, palavras, posturas, ou coisa que o valha o certo é que buscamos, e em geral conseguimos, nos proteger desse roubo e ficamos como que abrigados dos abalos que elas nos causam. Nem sempre fica claro como essas pessoas nos abalam. Buscamos razões para nossa repulsa - por vezes as inventamos -, mas quase sempre não as encontramos.
            Nascimentos, casamentos, mortes, doenças, reuniões de família e mesmo confraternizações são alguns desses eventos que, por conta de sua importância, em geral, suportamos as breves, mas incômodas presenças desses desafetos. O Natal, porém é uma data que nos solicita a fraternidade, o perdão, o amor e, nesse caso, suportar não é algo que nos conforte. Somos solicitados a compartilhar momentos de alegria, de amor e de esperança com essas mesmas pessoas. Claro, sempre cabe a boa e velha hipocrisia para quem quer apenas manter as aparências e se livrar de embaraços o mais rápido possível e voltar para seu esconderijo de proteção. Desse modo não seremos subtraídos de nossa paz de espírito. Todavia o espírito do Natal fustiga nossa alma e insulta a hipocrisia. Parece que somos solicitados a enfrentar o embaraço e superá-lo definitivamente.
            A dificuldade reside em sempre acreditarmos que a causa de todos os problemas, está no outro que nos importuna. A sensação de incômodo sempre aparece quando da presença do outro. Prestamos mais atenção à presença do que ao próprio incômodo. Não percebemos que ninguém conseguiria sem nossa voluntária permissão ou nosso puro desleixo, abalar nossa paz de espírito. Por vezes vendemos barato demais a nossa própria paz. Não conseguimos adquirir a competência de preservar nosso estado interno imune a interferências externas. O objetivo agora é deslocar o eixo do problema. Focalizar nossa atenção ao incômodo e não ao sujeito que incomoda. Ora, o incômodo ocorre dentro de nós, então quem, é responsável pelo incômodo? Se dissermos: o outro! Estaremos entregando sobre uma bela bandeja o poder de nos incomodar a toda e qualquer pessoas disposta a seguir o roteiro previsto. Se, por outro lado, entendermos que nós somos responsáveis por nosso estado interno, precisaremos enveredar por cuidá-lo com todo o zelo.
            Essa tomada de consciência, contudo, não encerra nenhuma mágica pirotécnica, isto é, nossos problemas não acabam aqui. Conseguimos apenas saber que algo fora de nós tem a capacidade de abalar algo dentro de nós. Ora, mas que poder é esse que consegue atravessar barreiras racionais e ferir nossa paciência e revolver nossa paz? É menos um poder externo do que uma vulnerabilidade interna. Esse é o ponto crucial! Ao nos concentrarmos no incômodo interno teremos todo o tempo de investigar nossas próprias vulnerabilidades. Não se trata de blindar nosso interior deixando-o protegido de eventuais abalos exteriores, mas de exercitar nossa percepção interna de modo a obter os dados necessários para entender o que nos incomoda. Em geral são os nossos próprios vícios de conduta que aparecem num primeiro momento. Vemos invariavelmente refletido no outro os nossos piores defeitos, numa imagem similar ou invertida.

Se o que nos importuna no outro é o quanto ele é autoritário, muito possivelmente, ao investigar nosso próprio interior encontraremos uma postura excessivamente subserviente ou autoritária, tanto quanto e como essa, outras relações de tese e antítese serão encontradas, mas não é esse o tema em questão. O ponto aqui em questão é entender que o outro somente tem a capacidade de revelar nossas próprias mazelas, nossas próprias vulnerabilidades. Assim, a palavra tolerância ganha aqui um sentido completamente diferente. Tolerância assim entendida é menos suportar a presença incômoda do outro e mais ter a humildade de admitir nossa própria fragilidade. Ter a humildade de admitir que nós ainda temos muito o que melhorar e que a presença incomoda do outro é uma benção que a vida nos proporciona e que deve nos fazer lembrar sempre de tolerarmos as nossas próprias falhas.

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